sábado, 8 de outubro de 2011

A Culpa Não é do Habilitado

A Culpa Não é do Habilitado

Todos os dias, em diversas reportagens divulgadas na mídia ou em programas específicos sobre adoção, ouvimos a mesma informação: o perfil das pessoas cadastradas no CNA – Cadastro Nacional de Adoção, gerido pelo CNJ – Conselho Nacional de Justiça -, é de menina, branca, de até 3 (três) anos de idade e sem qualquer problema de saúde.

A ANGAAD – Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção, que conglomera mais de 100 grupos de Apoio à Adoção pelo Brasil, propaga a nova cultura da adoção que inverte o paradigma tradicional de se buscar uma criança para uma família, privilegiando dar uma família para uma criança que dela necessita, fazendo valer o princípio constitucional do melhor interesse da criança.

De fato o perfil dos habilitandos vem sendo alterado nos últimos anos em função da grande atuação dos Grupos de Apoio à Adoção. Os GAAs são parte da sociedade civil organizada que trabalha em prol da nova cultura da adoção.

Os GAAs contam com o trabalho voluntário de psicólogos, assistentes sociais, operadores do direito e pessoas que passaram ou estão passando por processos de adoção. É uma troca constante de informações, experiências e vivências que auxiliam no pré, durante e período pós-adoção.

Mensalmente são realizadas palestras com discussões sobre os mais variados temas, dentre eles, salientamos: adoção tardia; adoção múltipla; adoção positiva (HIV +); adoção especial; adoção necessária; adoção inter-racial; adoção consentida; aspectos envolvendo educação de filhos; problemas nos procedimentos de adoção e como enfrentá-los; debates sobre a legislação e suas alterações; debates sobre procedimentos de habilitação, guarda, adoção e destituição do poder familiar, dentre outros.

Alguns GAAs têm Termo de Cooperação Técnica firmado com a Vara da Infância de sua competência territorial, outros não os tem por razões que desconhecemos, visto serem os GAAS indispensáveis ao preparo à habilitação vez que os assuntos tratados auxiliam os futuros habilitados em todas as etapas do procedimento – da parte anterior à habilitação até o desenvolvimento da adoção e o período pós-adoção.

Todas essas explicações servem para justificar que não cabe aos habilitados, componentes do CNA, a culpa pela falta de cruzamento dos números de habilitados (cerca de 26 mil) e de crianças disponibilizadas à adoção (cerca de 4 mil), pois, não compete aos habilitados realizar o cruzamento de dados do CNA e sim aos responsáveis pelas respectivas varas da infância. O CNA não funciona sozinho, precisa que alguém dê o “click” e faça o cruzamento das informações.

Outra questão é a falta de equipes técnicas em inúmeras varas da infância espalhadas pelo Brasil, mesmo com a Recomendação do CNJ para que os Tribunais de Justiça realizassem concursos públicos para os provimentos dos cargos de psicólogos(as) e assistentes sociais, formando, assim, a equipe interdisciplinar cuja atuação é indispensável nos procedimentos de habilitação, guarda, adoção e destituição do pode familiar, tais concursos permanecem sem realização.

Ainda pontuamos a falta de equipamentos, notadamente computadores. Sem as ferramentas indispensáveis será impossível a realização de um trabalho que atenda ao melhor interesse das crianças e adolescentes em acolhimento institucional.

A excessiva demora das Ações de Destituição do Poder Familiar é outro entrave absurdo. O ECA determina que todo o procedimento terá duração máxima de 120 (cento e vinte dias), contudo o próprio ECA estabelece que deverão ser esgotadas as possibilidades de citação pessoal dos pais (família biológica). O entendimento de “esgotar” difere de Juízo para Juízo quando na realidade devia ater-se aos endereços fornecidos pela Receita Federal, Tribunal Regional Eleitoral, DETRAN e citação por edital, pois, se a pessoa não possuí CPF por óbvio não terá contas de água, luz, gás ou telefone em seu nome. Deveria, também, haver uma limitação de tempo para a localização dos genitores, no máximo 6 (seis) meses, pois se em tal período não buscarem contato com os filhos obviamente já os abandonaram afetiva e materialmente.

Essa necessidade de busca do vínculo biológico é absurda, pois, nossas crianças e adolescentes têm pressa de ter uma família e a passagem inexorável do tempo é ingrata, queimando etapas da vida que jamais serão repostas.

Assim, antes de se culpar os habilitados deve-se fazer uma mea culpa por todos os erros cometidos ao longo de anos da "desimportância" com a qual tratamos nossas crianças e adolescentes, aos quais relegamos a titulação de filhos do Estado ou filhos de ninguém.

O Brasil precisa de Magistrados vocacionados, assim como Promotores de Justiça, Assistentes Sociais e Psicólogos, pois, apenas os que têm vocação para o trabalho com crianças e adolescentes conseguirão conviver com histórias de abusos (físicos, psicológicos e morais), abandonos (intelectual, afetivo e material), dentre tantos outros motivos que levam nossas crianças à institucionalização.

Precisamos rever os conceitos vigentes antes de, simplesmente, colocarmos a culpa de anos de ineficiência sobre os ombros dos habilitados.

Silvana do Monte Moreira
Diretora Jurídica da ANGAAD – Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção
Presidente da Comissão de Adoção do IBDFAM – Associação Nacional de Direito de Família
Coordenadora dos Grupos de Apoio à Adoção Ana Gonzaga I e II

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