terça-feira, 4 de outubro de 2011

"HÁ SITUAÇÕES QUE O ATO DE AMOR MAIOR É ENTREGAR O FILHO PARA ADOÇÃO", DIZ JUÍZA DA INFÂNCIA

03/10/2011
Juiza diz que depois de adotar uma criança não há como devolvê-la para adoção
Foto: Deurico/Capital News
Com o objetivo de esclarecer dúvidas sobre adoção, a juíza da Vara da Juventude, da Infância e do Idoso de Campo Grande, Katy Braun concedeu entrevista ao Capital News. Com profundidade, ela avalia desde o momento da decisão de uma mulher em dispor o filho para adoção até o processo de adaptação da criança e dos novos pais.
Em Mato Grosso do Sul, 107 crianças estão disponíveis para adoção, contra 410 famílias que pretendem adotar. A preferência de quem resolve adotar um filho é por bebês. Cerca de 80 pessoas em Campo Grande aguardam na fila para conseguir adotar um recém nascido e poder acompanhar todos os passos do filho escolhido. No Brasil, o número de crianças disponíveis para adoção, de zero a 17 anos, é de 27.543.
O Projeto Dar a Luz vem sendo realizado há algum tempo, porém, foi em setembro deste ano que ele começou a ser divulgado e consequentemente mais conhecido. O Projeto visa oferecer um serviço de acolhimento, apoio e orientação às mulheres que, por algum motivo, desejam entregar os filhos para adoção, favorecendo a reflexão sobre o processo de decisão e sobre a importância da entrega responsável.Dentro do Projeto as mães terão a segurança de que os filhos serão bem tratados e acompanhados pela justiça durante o estágio de convivência.
Capital News – O que é o Projeto Dar A Luz?
Katy Braun - O Projeto Dar A Luz foi concebido para dar apoio, orientação e acolhimento àquelas mulheres que tiveram uma gravidez indesejada e não se sentem em condições de ficarem com essas crianças, ou mesmo àquelas que, em razão de uma gravidez indesejada estão pensando em abortar essa criança. Viemos percebendo, aqui mesmo em Campo Grande, muitos fetos encontrados em latas de lixo, no córrego, e mesmo em outras localidades do País crianças jogadas em caçambas de entulho e para evitar esse tipo de ação desesperada das mulheres que não querem os filhos, é que a gente se propôs a dar um espaço para elas serem ouvidas, e, caso estejam firmes no desejo de não ficar com a criança, a gente dá a elas a garantia de que o bebê será encaminhado a uma família para adoção e que vai poder criar bem a criança.
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Katy Braun diz que projeto Dar à Luz pretende evitar ação desesperada de mulheres com gravidez indesejada
Foto: Deurico/Capital News
Já fazíamos este trabalho, sem o Projeto, há bastante tempo, mas não havia uma divulgação de que a Vara da Infância estava apta a dar este tipo de acompanhamento. Agora em setembro é que nós formalizamos o Projeto e decidimos expô-lo para toda a comunidade, principalmente para a comunidade médica, pois o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece que os enfermeiros e médicos que acompanham uma gestante que tem o desejo de entregar o filho para adoção, eles têm obrigação que notificar o Poder Judiciário, e isso não vinha acontecendo por ignorância mesmo. Então na primeira etapa do projeto nós chamamos os representantes de cada um dos hospitais para que eles ficassem sabendo desse acompanhamento uqe nós damos e do desdobramento deste tipo de caso.
Capital News – Quantas mães atualmente são assistidas pelo projeto?
Katy Braun – Atualmente duas gestantes estão sendo acompanhadas, mas nos últimos 12 meses nós acompanhamos oito mães. Destas oito, cinco mães foram ouvidas por psicólogos e decidiram mesmo entregar os filhos para adoção. Três delas, com o apoio da nossa equipe resolveram ficar com as crianças.
Capital News – Porque as mães optam por entregar os filhos para adoção?
Katy Braun – Muitas vezes porque não contaram para a família sobre a gravidez e temem a rejeição da criança pelos pais, normalmente quando se trata de mulheres solteiras. A nossa equipe tem uma formação toda especial para fazer a mediação dessa gestante, que está com medo, com a família dela. Nos casos que atendemos aqui, quando a família ficou sabendo que a gestante queria dar a criança para adoção, foram apoiadas e acolhidas, não sendo necessária esta medida extrema. Outra situação é de mulheres muito pobres que não se vêem em condição de cuidar do filho pela pobreza. Nós temos a possibilidade de encaminhá-la para a Rede de Proteção onde recebem acompanhamento necessário para ter segurança alimentar durante o período pré-natal, o período da dieta, e depois também são incluídas em projeto de geração de renda que permite que elas cuidem bem dos seus filhos. A pobreza não deve ser uma causa que leve uma mulher a deixar seu filho para adoção.
Capital News – Na maioria dos casos as mães deixam os filhos pela condição de pobreza?
Katy Braun – Não. O que nós temos são mulheres que foram estupradas e passou o prazo do aborto legal ou por convicção religiosa ou princípio de vida não concordam em fazer aborto. Apesar delas verem que não terão condições de criar aquela criança fruto de uma violência, elas preferem que outra família crie. Temos também mulheres que engravidam de alguém que não é o marido ou companheiro (que não deseja criar aquela criança), e resolvem entregar a criança para adoção para manter aquele relacionamento. E muitos casos de mulheres que tiveram este filho em uma aventura e não sabem quem é o pai, o “filho da balada” digamos assim.
Capital News – Depois que a criança nasceu e que a mãe resolveu ficar com o filho, elas continuam sendo amparadas?
Katy Braun – Sim, continuam sendo acompanhadas, pois sempre há o risco daquela mulher fingir que quer ficar com a criança e depois de alguns dias entregar o filho irregularmente para uma família criar. Por isso continuamos dando o atendimento, para verificar se a mãe continua firme no propósito de cuidar do filho. E mesmo aquelas mulheres que entregam o filho para adoção, e ela já tem outros filhos, e essas outras crianças precisam de algum tipo de apoio, nós continuamos acompanhando essa família. O mais difícil para essas mulheres é entregar o filho para adoção. Então nós queremos apoiá-las no período de luto delas. Elas vão sofrer, vão querer saber se a criança está bem, se foi bem aceita pela família adotiva, se está sendo bem cuidada, este tipo de segurança que nós damos para estas mulheres.
Capital News – Já teve algum caso da mãe entregar a criança e depois de algum tempo querer o filho de volta?
Katy Braun – Não, nunca aconteceu. Por isso que é importante esse acompanhamento durante a gestação. Não há nenhum incentivo para ela entregar a criança, pelo contrário, vamos apoiá-la para que se ela desejar ficar com a criança ela fique. Mas geralmente quando elas tomam uma decisão, é uma decisão bastante pensada e refletida. Elas estão cientes que se elas entregarem a criança elas entregam com o consentimento para que essa criança seja encaminhada para uma família adotiva. Isso é o que as famílias desejam. Por exemplo, uma mulher que abandona a criança no hospital (isso acontece muito), essa criança vai para um abrigo e começa um processo de destituição de poder familiar dessa mulher que abandou. Por outro lado, se a mulher consente a adoção, a criança sai do hospital e vai direto para uma família.
Capital News – Existe fila para adotar bebês? Quantas pessoas aguardam por uma criança? A fila aumentou depois da divulgação d Projeto Dar A Luz?
Katy Braun - Existe a fila justamente por isso, não temos bebês disponíveis para adoção. Quando um bebê surge imediatamente você tem uma família interessada nele. A fila não aumentou depois deste Projeto. O que ocorre é que, em Campo Grande são 80 pessoas, entre casados e solteiros, aguardando um bebê. No Brasil esse número passa de 27 mil.
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Juíza diz que fila de interessados em adotar um bebê cresceu devido ao projeto
Foto: Deurico/Capital News
Capital News – Qual o primeiro passo para a pessoa que decide adotar uma criança?
Katy Braun – O primeiro passo é frequentar um curso que nós oferecemos gratuitamente aqui no Fórum do Projeto Adotar. A pessoa passa por duas reuniões, onde, em uma delas vai entender os processos jurídicos e legais da adoção. Vai entender que a adoção é irrevogável, irretratável, que depois que você adota, não tem mais como devolver a criança. Depois tem uma capacitação dada pelos psicólogos e assistentes sociais sobre as fases da adoção. Depois dessa reunião eles terão uma ideia básica do perfil da criança que eles querem receber, como, idade, etnia, origem familiar, etc. Em seguida o pretendente vai para uma outra fase que é a entrevista pessoal com a assistente social e a psicóloga. A assistente social vai visitar a casa da família para ver se ela tem condições de acolher mais alguém e se a casa é segura. O psicólogo vai entrevistar a família para ver se a motivação dela é uma motivação adequada para adoção, no sentido de que o que eles desejam é ter mais um filho, pois há pessoas que querem pagar promessas e fazer caridade. E este não é o propósito da adoção, a adoção não serve para isso. Após a entrevista o casal preenche um requerimento que já vem acompanhado destes estudos, o Ministério Público se manifesta e sai a sentença de que a pessoa está apta a adotar.
Capital News – As pessoas interessadas em adotar querem apenas bebês ou escolhem crianças maiores também?
Katy Braun – Raramente nós encontramos pessoas que querem crianças maiores. Crianças maiores e com algum tipo de deficiência têm menos chances de serem adotadas. Se o casal se interessa por uma criança maior, nós entrevistamos a criança, o casal, e tentamos fazer a aproximação. Quando vemos que há um interesse nós promovemos encontros, almoçam e passeiam juntos, às vezes a criança dorme na casa e vai criando um laço de amizade. Se a pessoa chega para adotar e tem interesse por uma das quatro mil que temos no País, ela não espera nada para adotar.
Capital News – Quantas crianças estão disponíveis para adoção aqui em Campo Grande?
Katy Braun – Vinte e uma crianças de zero a 17 anos. Uma pessoa que vem com a perspectiva de adotar um bebê, vai esperar, pois não fabricamos bebês para atender a demanda. Não temos bebês, pois não saímos por aí tirando filhos dos outros porque tem gente esperando para adotar. Então, quando a criança surge a gente aciona o primeiro da fila. Para adotar menino a espera do tempo e mais curto. Se a pessoa não tiver exigência nenhuma vai esperar dois anos por um menino e quatro anos para uma menina. Quanto menos exigência ela faz mais rápido ela vai conseguir adotar. Em Mato Grosso do Sul existem duas agências internacionais habilitadas a adotar pelo Tribunal de Justiça, uma é da Espanha, que aceita criança de até oito anos, a outra é uma instituição Italiana que não tem limite de idade para aceitar crianças. Nós já conseguimos que eles adotassem crianças de 14 anos. Então, quando as crianças ficam maiores a nossa única esperança são pretendentes estrangeiros, pois eles têm menos preconceitos e não fazem questão de fingir que o filho não é biológico. A adoção por bebê, além da pessoa querer passar por todas as fases de dar de mamar e trocar fralda esconde um desejo de você criar aquela criança de maneira que ninguém perceba que não é do mesmo sangue. Com uma criança maior não dá para esconder isso.
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Juíza diz que pais não devem manter segredos com filhos adotivos para relação dar certo
Foto: Deurico/Capital News
Capital News – É irregular os pais não contarem aos filhos que não são biológicos?
Katy Braun – Não, mas os psicólogos não recomendam isso. Uma relação de amor para dar certo não pode haver segredos. E hoje, com tanto recurso científico é muito difícil uma criança crescer e não perceber mais à frente que ela não tem o mesmo tipo de sangue. Às vezes acaba fazendo um tratamento genético para algum problema de saúde e acaba descobrindo que não é filho natural. Isso é muito traumático. Nossa orientação é que desde pequeno a criança saiba que é por adoção, que veio da barriga de uma outra mulher e fazer disso a coisa mais natural do mundo. As famílias não devem ter segredos. Geralmente os segredos entre famílias são os “podres” que escondemos, e a adoção não é isso, não é algo de que as pessoas devam se envergonhar para precisarem esconder.
Capital News – Já teve caso de pais que adotaram e quiseram devolver a criança?
Katy Braun – Já, um caso. Como este caso ainda está em fase de julgamento eu não posso falar sobre. Mas a devolução da criança não é possível. Nós vamos avaliar se a criança está sendo mal tratada pela família. Se isso estiver acontecendo ela vai ser retirada da família como medida de proteção, como seria retirada de qualquer outra. Mas a devolução, depois que saiu a sentença, não é mais possível. Não é mercadoria, por isso as pessoas têm o período de convivência para decidir se vai ficar com a criança.
Capital News - E como funciona o período de convivência?
Katy Braun – Ele é variável de acordo com a necessidade que o casal ou a criança apresente. Pode ser de 30 dias para um bebê recém nascido ou pode ser de seis meses, por exemplo, para uma criança maior. Recentemente um casal adotou uma menina de 15 anos com o irmão de 10. Em razão da idade dessas crianças, e por serem duas, nós estipulamos um prazo de seis meses. Ao final dos seis meses, se o casal tiver alguma dúvida nós estendemos este prazo, até que tenham certeza do passo que vão dar, que é a adoção, para não ocorrer a devolução depois.
Uma das situações comuns que pode ocorrer é uma regressão naquela criança. Por exemplo, uma criança de 10 anos pode pedir mamadeira e voltar a fazer xixi na cama. É uma necessidade que ela tem de nascer naquela família. Comportamento comum entre crianças adotadas tardiamente.
Capital News - Já aconteceu de alguma mãe entregar o filho e depois se arrepender e querer de volta?
Katy Braun – Não, nunca. Quando uma mãe entrega a criança é uma decisão amadurecida. E muitas delas sabem que, de acordo com a situação de vida que ela está vivendo, o ato de amor maior é entregar para adoção. Há mulheres que são doentes terminais, então elas sabem que não vão poder ficar com a criança.

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