terça-feira, 11 de outubro de 2011

'Queria pai e mãe todos os dias', diz menina apontada como 'inadotável'

11/10/2011 14h31 - Atualizado em 11/10/2011 16h03
'Queria pai e mãe todos os dias', diz menina apontada como 'inadotável'
Aos dez anos e com HIV, menina está fora da fila de adoção.
Especialistas dizem que país tem 32 mil que não podem ser adotadas.

Adriana Justi e Vinícius Sgarbe Do G1 PR
Menina 'inadotável' brinca com boneca, em casa de Curitiba. (Foto: Adriana Justi/G1 PR)Menina 'inadotável' brinca com boneca em abrigo de Curitiba. (Foto: Adriana Justi/G1 PR)
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Ela tem dez anos, não conhece os pais, é portadora do HIV e mora em um abrigo no Paraná. Mesmo contra todas as adversidades, a menina V. sonha com um presente ao qual tem direito. “Queria uma mãe e um pai de verdade (...) todos os dias”, conta. A garota é uma das cerca de 32 mil crianças consideradas “inadotáveis” no país. A lei assegura a todas a possibilidade de serem adotadas até os 18 anos desde que tenham sido juridicamente desligadas dos pais biológicos, mas a burocracia impede o exercício desse direito, segundo análise de especialistas.

“Como a destituição [processo que desliga legalmente a criança da família biológica] demora, apenas 5 mil das 37 mil crianças que estão em abrigos do país podem ser adotadas. Hoje, existem 26 mil famílias interessadas em adotar“, afirma Ariel de Castro Alves, presidente da Fundação Criança e vice-presidente da Comissão Nacional da Criança e do Adolescente da OAB.

Contra o sonho de uma nova família, pesa ainda a expectativa dos futuros pais. Condições impostas por eles eliminam grande parte das cinco mil crianças listadas no Cadastro Nacional de Adoção (CNA). A lista do CNA inclui as crianças que venceram a burocracia e as exigências legais e precisarão de sorte para se encaixar na projeção dos casais candidatos: meninas brancas, com menos de três anos, sem irmãos, deficiências ou HIV.

“As crianças [sob custódia do Estado] são mais meninos, negros e pardos”, explica Alves. Em Curitiba, até 10 de outubro 41 das 73 crianças no CNA eram brancas. Mas, do total, 38 eram meninos e só três tinham menos de cinco anos.

Na Associação Paranaense Alegria de Viver (Apav), em Curitiba, 18 crianças portadoras do vírus HIV estão fora da fila de adoção, segundo o fundador Newton Nascimento Teixeira. A menina V. é soropositivo e mora na Apav desde bebê e nunca teve o nome no CNA por não ter obtido a destituição do poder familiar concluída.

A menina conta que o presente que sempre quis ganhar no Dia das Crianças é uma casa e uma família. “Eu vou sentir saudades dos meus amigos daqui, mas queria que alguém me adotasse. Eu tenho uma madrinha que passa aqui de vez em quando e me leva para a casa dela para dormir. Eu gosto, mas queria uma mãe e um pai de verdade”, conta a menina.
Homem organiza objetos para bazar. (Foto: Adriana Justi/G1 PR)Homem organiza objetos para bazar. (Foto: Adriana Justi/G1 PR)

A fundadora do Movimento Nacional das Crianças Inadotáveis (Monaci), Aristeia Moraes Rau, lembra que, entre os "inadotáveis", há ainda o dilema dos que atingem a maioridade nos abrigos e ficam de fora do processo.

Já na Apav, “além das crianças, nós temos jovens entre 18 e 20 anos que viveram toda a infância na instituição e não tiveram a chance de encontrar novas famílias. O problema desse isolamento não é nem a falta de famílias interessadas e o preconceito. A grande barreira é a demora e a burocracia apresentadas pelo Estado e pela Justiça. Tanto que alguns já completaram a maioridade e já perderam até a esperança de encontrar um novo lar. Mesmo assim, nosso objetivo é inseri-los na fila de adoção e conseguir uma família para cada um”, disse Teixeira.

O jovem Marcos tem 18 anos, vive no abrigo desde os oito e também é soropositivo. “Antes de chegar aqui eu era maltratado em casa e, quando meus pais morreram, a família me trouxe pra cá. Quando eu era mais novo, tinha o sonho de conseguir ser adotado. Hoje não tenho mais esperanças de encontrar uma família, porque acho que será difícil me adaptar, a não ser que seja com uma família que eu já conheça. Meu objetivo agora é continuar meus estudos, fazer medicina e constituir minha família junto com meu irmão, que também mora aqui”, explica o jovem.

“Não entendo por que a burocracia para conseguir a liberação de uma adoção pra uma criança com HIV é tão difícil. Acho que, nesse caso, como as crianças precisam de tratamento, deveriam ter prioridade na fila de adoção. Afinal, além dos medicamentos, elas precisam do apoio e carinho de uma família”, finaliza Teixeira, fundador da Apav.

Segurança
A advogada Izabela Rucker Curi, especialista na área, faz críticas aos excessos da burocracia, mas defende que não se abra mão da segurança jurídica em troca da agilidade na adoção. Segundo ela, a quebra do poder de família (quando já se esgotaram as possiblidades de a criança voltar para a família original) é mesmo uma das partes mais complicadas do processo.

"Para que essa criança vá para uma nova, os vínculos legais com a família antiga têm de ser rompidos. Isso exige muita gente, muita observação, muito estudo jurídico e muitos papéis para documentação. Quando essa etapa fica pronta, quase não há mais tempo, dentro do prazo de dois anos, para que a criança possa conhecer uma nova família", afirma.

“Nossa legislação acerta quando dá valor à prevenção ao rompimento de laços familiares. Importante lembrar que ainda existem no Brasil casos de adoção de menores com a exclusiva intenção de alimentar o tráfico de órgãos, por falta de controle rígido e efetivo nos procedimentos de adoção”, afirma a advogada Izabela Rucker Curi.

Um comentário:

Silvana do Monte Moreira disse...

Tentei fazer a postagem no site da notícia, mas, não consegui:
Existem várias questões envolvidas na “inadotabilidade”. De início entendo que não existem crianças e/ou adolescentes inadotáveis. Os Grupos de Apoio à Adoção capitaneados pela ANGAAD – Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção, que reúne mais de 100 grupos em todo o Brasil, têm trabalhado firmemente a nova cultura da adoção que inverte o paradigma tradicional de dar uma criança para uma família, invertendo-o para propiciar uma família para a criança e/ou adolescente que dela necessite.
Com essa nova cultura contabilizamos inúmeras adoções de crianças HIV+ (por nós denominada adoção positiva), de crianças e adolescentes portadores de necessidades especiais e/ou com déficit cognitivo, grupos de irmãos, adoções tardias, interraciais, enfim: adoções necessárias.
Entendemos que as crianças e adolescentes permanecem nas entidades de acolhimento institucional não pela mera questão do perfil dos habilitados inseridos no CNA – Cadastro Nacional de Adoção, mas, notadamente em função da máquina estatal estanque.
Na realidade precisamos realizar uma pesquisa que indique, dentre outros pontos, os que seguem:
1) quantas varas da infância, ou varas que acumulam tal competência, têm equipes técnicas?
2) quantas dessas equipes técnicas têm acesso ao CNA? (em algumas varas as senhas ficam com os juízes que não sabem sequer abrir o CNA e, obviamente, jamais farão o cruzamento dos dados).
3) As equipes técnicas são equipadas com computadores com acesso à internet? Deparei-me um dia desses com um relatório psico-social de duas laudas feito a mão. Inacreditável em pleno ano 2011!
4) No caso do MP - os promotores de justiça estão ajuizando as ADPFs ou ainda continuam com medo que as crianças percam a identidade ao perderem o pai e/ou a mãe na certidão de nascimento? Se essas crianças tivessem família não estariam institucionalizadas. A defesa de que com a ADPF cai por terra o direito de exigir alimentos é pura falácia, pois, tais genitores não têm condições de prover seu próprio sustento e muito menos têm condições de dar amor, carinho, cuidado e de suprir as necessidades de seus filhos.
5) Profissionais vocacionados, existem? Acredito que todos já passaram por serventuários de cara feia, por assistentes sociais e psicólogos que parecem que estão fazendo o favor de nos atender. Não é uma regra, existem excelentes profissionais, mas existem profissionais que jamais poderiam tratar de assuntos que envolvam crianças e adolescentes. Já conversei com uma profissional, lotada em uma vara da infância, que é totalmente contra a adoção. Essa pessoa recita a velha ladainha que adoção tira filhos de pobres para dá-los aos ricos. O que vem a ser outra falácia.
Nós, componentes dos grupos de apoio à adoção, trabalhamos por amor, por identificação com a causa e nos deparamos todos os dias com pessoas que questionam o porquê do nosso trabalho. São pessoas que não colocam sentimentos em suas atividades e que não conseguem ter a hombridade de reconhecer o valor do trabalho do outro.
As vezes cansa malhar tanto em ferro frio, mas, de repente aparece alguém que pergunta: onde está o bebezinho com nefropatia congênita? Sou habilitada, será que posso conhecê-lo? Ou ainda outro alguém, também habilitado, que nos pergunta se poderá viajar milhares de quilômetros para visitar e já pedir a guarda de uma criança HIV+ sem a segurança de negativação. São por essas pessoas, e também pelas que buscam uma menina branca saudável, pois, o perfil é algo que pode ser trabalhado, mas, jamais forçada a sua alteração, que trabalhamos no nosso dia a dia.
Trabalhar o perfil é importante, mas jamais forçar a sua alteração. Cada um sabe das suas próprias limitações, anseios, sonhos e capacidade.
Assim, criança e adolescente inadotável, se existem, é uma realidade que precisamos trabalhar para que se tornem plenamente adotáveis.
Silvana do Monte Moreira
Diretora Jurídica da ANGAAD – Associação acional dos Grupos de Apoio à Adoção
Coordenadora dos Grupos de Apoio à Adoção Ana Gonzaga I e II