quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Burocracias e incertezas do processo são compensadas com a chegada de um filho que nasce do coração

Guia da adoção

Tatiana Gerasimenko, especial para o iG São Paulo | 05/05/2011 07:40

“Todas as relações afetivas são construídas: quando você está grávida e tem uma ligação biológica com o seu filho, pode não perceber muito esta questão porque ele está na sua barriga. Mas na adoção isto é muito visível, e a construção desta relação pode ser muito bonita. Ainda que, como todas na vida, apresente suas dificuldades”, afirma Maria Beatriz Amado Sette, cofundadora da ONG Projeto Acolher. Há mais de 10 anos ela e a psicóloga Márcia Pauli resolveram ir além do trabalho que desenvolviam na Vara da Infância e Juventude de Santo Amaro, em São Paulo, para desfazer preconceitos e construir uma nova cultura de adoção.

Foto: Edu Cesar/Fotoarena

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Carla Penteado, 38, quatro filhas especiais adotadas



Hoje elas reúnem mensalmente cerca de 100 pais e mães adotivos e interessados em discutir tudo que se refere ao assunto. Afinal, para a adoção cumprir o seu significado – acolher como filho legítimo, mediante ação legal, uma criança que não pôde ser criada pelos pais biológicos –, sentimentos como expectativas e incertezas devem ser trabalhados antes, durante e depois do processo, tanto em crianças como nos adultos.

Do ponto de vista jurídico, uma pessoa ou casal que quer adotar uma criança deve dirigir-se à Vara de Infância e Juventude mais próxima de sua casa e habilitar-se à adoção após a entrega de uma relação de documentos e ingresso no Cadastro Nacional de Adoção. Nesta etapa, define-se o perfil da criança desejada: sexo, idade, cor da pele e condições de saúde. Após cerca de dois meses serão realizadas entrevistas com uma psicóloga e uma assistente social para avaliação das condições sociais e psicológicas do candidato a adotante. Então um juiz decidirá pela habilitação ou não: se aprovada, a pessoa recebe um certificado que atesta que ela já está na fila para a adoção.

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O tempo varia de acordo com o que se espera da criança. “Se o juizado entende que um casal ou pessoa que quer adotar tem o perfil, deixa a criança com eles por um período para 'sentir' como eles irão se comportar”, explica o advogado Rolf Madaleno, especialista em Direito da Família. “Concede-se uma guarda, que é apenas uma fase de transição, uma experimentação, concedida apenas se aquela adoção tem chances muito boas de dar certo”.

Mas por que uma adoção pode “não dar certo”? Maria Beatriz afirma que uma das maiores dificuldades é justamente a idealização. “As pessoas idealizam uma criança de um jeito, mas, na verdade, as crianças chegam com suas características físicas e psicológicas próprias e uma forma peculiar de ser”, explica. “Para adotar é preciso estar consciente de seus desejos e idealizações; nem todas as crianças podem ser adotadas por todos”.

A psicóloga Lidia Weber, PhD em Desenvolvimento Familiar e autora de diversos livros sobre adoção, entre eles “Laços de Ternura: Histórias e Pesquisas de Adoção” (Editora Juruá), acredita que a adoção pode resgatar uma nova forma de ver o mundo e a criança é capaz, sim, de aprender como é dar, receber e sentir afeto – por mais que exista na sociedade brasileira uma valorização cultural dos “laços de sangue”. Esta visão acaba ecoando em posturas preconceituosas, que dificultam a construção de uma relação de amor. “É preciso conscientizar a população de que a adoção é uma necessidade e um direito da criança. Ela não serve apenas para satisfazer a necessidade de casais inférteis”, afirma. De acordo com ela, os problemas mais frequentes encontrados por pais e filhos após a adoção são a revelação tardia ou inadequada (feita por terceiros), ignorância em relação à história de sua origem, diferença de tratamento em comparação a um filho biológico, discriminação e falta de preparo das escolas e materiais didáticos a este respeito.

Coração de mãe versus obrigação do Estado

De acordo com o último levantamento do Conselho Nacional de Justiça, responsável pelo Cadastro Nacional de Adoção, o número de pessoas cadastradas no Brasil é quase seis vezes maior do que o de crianças e adolescentes disponíveis. A situação esquenta a discussão sobre a demora no processo, o rigor da Justiça e o próprio sistema. Se há tantos pequenos em condições precárias, por que não facilitar? A primeira resposta seria a preferência dos interessados por bebês brancos e com saúde perfeita, sem irmãos. Mas há muito mais a considerar. “Tudo o que o Estado não quer é que uma criança seja abandonada duas vezes”, explica o advogado Rolf Madaleno. “Não se pode permitir que a adoção seja feita ao bel-prazer de pessoas, especialmente de pessoas comprometidas emocionalmente”.

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A chamada adoção à brasileira, feita informalmente de fato e oficializada mais tarde, era comum no passado, mas hoje é vista como crime pela Justiça. “Hoje, a Lei 12.010/09, erroneamente chamada de Lei da Adoção – o correto seria Lei da Convivência Familiar, pois não trata somente da adoção -, proíbe a adoção direta”, esclarece o Juiz da Vara da Infância e da Juventude de Campinas, Richard Pae Kim. Todas as pessoas que não podem ficar com uma criança devem entregá-la à Vara de Infância e Juventude, para que o juiz, após um processo rigorosamente dirigido com o intuito de preservá-las primeiramente em seu núcleo familiar de origem (avós, tios), enderecem apenas em último caso a criança à lista de adoção. No “calor” da situação, uma pessoa pode se sentir disposta a cuidar da criança, mas não ter condições emocionais de salvaguardar a situação em longo prazo.

Uma vez que a ideia é assegurar os direitos da criança, as restrições são maiores especialmente no que tange à adoção por estrangeiros. “A preferência é que a criança retorne ao seio da família. Se isso não for possível, escolhe-se alguém preferencialmente de sua cidade natal. Caso não dê certo, a lista é estadual. Se for para a lista nacional e ainda assim não houver ninguém apto a adotar esta criança, só então a adoção por estrangeiros é cogitada”, explica Madaleno. Geralmente são os casos de adoções especiais, pois os futuros pais teriam melhores condições para pagar tratamentos, ou de adoções tardias, porque muitos países são mais abertos a este tipo de vínculo familiar.

É claro que para quase tudo existe uma exceção. E o sistema nem sempre é perfeito. Carla Penteado, mãe de quatro meninas especiais e coordenadora de um grupo de apoio à adoção especial, aponta que o próprio cadastro do Conselho Nacional de Justiça pode restringir a adoção de crianças com problemas físicos ou mentais. De acordo com ela, falta detalhamento nas informações pedidas no cadastro. “Cem por cento das pessoas aceitariam algum tipo de deficiência. Se não fosse pela abrangência do termo como ele é colocado na ficha, não teríamos tantos casos de crianças especiais esperando por adoção, exceto casos gravíssimos”. Por outro lado, a nova lei estabelece que uma criança ou adolescente não pode ficar mais de dois anos em programas de acolhimento institucional (abrigos), dá preferência à família extensa ou ampliada (tutela a parentes próximos), preserva a união de irmãos e assegura o direito do indivíduo saber sobre suas origens aos 18 anos.

Fonte: http://delas.ig.com.br/comportamento/diadasmaes/guia+da+adocao/n1596903496287.html

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