terça-feira, 23 de outubro de 2012

LEIA ENTREVISTA COM JUIZ VÍTOR BIZERRA



Dom , 21/10/2012
Helga Cirino

"Tomei conhecimento da situação em meados do mês de março de 2011", diz juiz
Ex-titular da comarca de Monte Santo, Vítor Bizerra diz que decisão seguiu indicação do Ministério Público e relatórios encaminhados pelo Conselho Tutelar da região, o que foi rebatido pelo Centro de Defesa dos Direitos das Crianças e Adolescentes Yves de Roussan (Cedeca).

QUANDO O SENHOR TOMOU CONHECIMENTO DO CASO E QUAIS AS CONDIÇÕES EM QUE AS CRIANÇAS SE ENCONTRAVAM?
Tomei conhecimento da situação em meados do mês de março de 2011. O Conselho Tutelar me procurou relatando que existiam cinco crianças que estavam abandonadas pelos pais e que já os teria advertido por diversas vezes sem sucesso. O Conselho relatou ainda que a mãe deixava as crianças sozinhas para sair, consumir drogas e se embriagar. E que o pai só aparecia na casa de vez em quando e seria alcoólatra. Pelas informações dos Conselheiros Tutelares, a criança mais nova, então com aproximadamente dois meses de vida, estava em situação grave de saúde, precisando de internamento hospitalar e sem conseguir por não ter certidão de nascimento.

ESTAS CONDIÇÕES ERAM SUFICIENTES PARA ENCAMINHAMENTO IMEDIATO PARA ADOÇÃO OU GUARDA PROVISÓRIA?
Não houve nenhuma medida imediata em relação às crianças. Cientificado, o MP instaurou procedimento apuratório, colheu elementos, provas e depoimentos. Tentou ouvir os pais sem sucesso. Não atenderam aos chamados. Depois de reunir as provas, inclusive vários relatórios de sociais, o MP entendeu que a única saída que salvaguardaria os interesses das crianças seria retirá-las da guarda dos pais. Infelizmente, por fatores que independem do Poder Judiciário, na região não dispomos de qualquer abrigo ou instituto congênere para acomodar as crianças como determina o ECA. Vivenciamos eu e a Promotora de Justiça momentos difíceis ante a medida que se impunha como necessária e a impossibilidade de cumpri-la. Deixar de deferir a medida por falta de abrigo seria abandonar as crianças à própria sorte e, no caso da menor, talvez à própria morte. Não encontramos quem se dispusesse a recebê-los. Determinei então ao cartório que buscasse em nosso cadastro de postulantes a adoção se haveria algum deles interessados em receber temporariamente as crianças em situação de risco.

OS PAIS TINHAM DESVIOS DE COMPORTAMENTO? ELES FORAM ENCAMINHADOS PARA ALGUM PROGRAMA SOCIAL DA REGIÃO?
Os relatos do Conselho Tutelar e os depoimentos colhidos no Ministério Público apontam a mãe como usuária de drogas e álcool. Além disso, restou constatado que habitualmente deixava as crianças sozinhas em casa. Em depoimento restou consignado ainda que a mãe se prostituía e tinha vários parceiros. Contudo, o mais preocupante não era a conduta social da mãe, mas o descaso com as crianças. Eram tratadas apenas como fonte de rendimento devido aos benefícios recebidos do Governo Federal em nome delas. Na prova colhida sobre o caso verificou-se que a pessoa apontada como pai tem várias passagens pela polícia - inclusive por delitos sexuais -, não tem emprego fixo, tem um comportamento agressivo e não dava atenção às crianças. Não temos programas sociais ou equipe multidisciplinar à disposição do Poder Judiciário na região. Ademais, não se logrou êxito em contatar os pais.

QUAL FOI O POSICIONAMENTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO (MP-BA) NO CASO?
O Ministério Público se fez digno de suas funções constitucionais. Mostrou-se sempre preocupado com o melhor para as crianças e foi o verdadeiro facilitador da aplicação do princípio da proteção integral. Em todos os casos, todos os Promotores de Justiça que atuaram no caso concordaram, até então, com as medidas tomadas.

A LEI (ECA) ESTABELECE QUE O PODER DE FAMÍLIA SÓ DEVE SER DESTITUÍDO APÓS ESGOTADOS TODOS OS RECURSOS DE MANUTENÇÃO DA FAMÍLIA NATURAL OU EXTENSA. POR QUE AS CRIANÇAS NÃO FICARAM COM OS AVÓS?
O ECA tem várias disposições que devem ser respeitadas e o são. No caso, havia uma urgência e do ponto de vista de adequação comportamental dos pais em relação às crianças não havia mais o que ser feito para se suprir a negligência dispensada às crianças. Da forma como tudo ocorreu, a disposição legal foi respeitada. Alguém pode até entender que seria possível tentar buscar outros meios para dar uma maior extensão à aplicação desta regra. Ocorre que exaurimos os que tínhamos disponíveis em Monte Santo e região e que, naquele momento, dar um elastério maior à regra seria introduzir um risco ainda maior e irreversível às crianças. Os avós não se mostraram interessados em ficar com as crianças.

OS PAIS DAS CRIANÇAS FORAM OUVIDOS? EM QUE MOMENTO E O QUE ALEGARAM?
A mãe da criança, apesar de chamada várias vezes desde o ano de 2010, só apareceu em agosto de 2011 e perante o Ministério Público. Já estava grávida novamente e foi instruída pela promotora de justiça a constituir advogado ou, caso não tivesse recursos, procurasse o fórum que o juiz designaria um defensor de forma gratuita. Nesta oportunidade a mãe se pronunciou dizendo ter interesse em recuperar as crianças. A promotora informou-a que seria possível, pois as crianças teriam sido tiradas dela por uma medida que poderia ser
revertida.

QUAL FOI O CRITÉRIO ESCOLHIDO PELO SENHOR PARA A ESCOLHA DE FAMÍLIAS PAULISTAS E NÃO BAIANAS?
Não foram escolhidas "novas" famílias para as crianças. Foram chamadas famílias que tinham sentença de habilitação. Tal critério foi estabelecido, pois quem já tem essa sentença já passou pelo crivo judicial para receber uma criança, então, presume-se também capacitada para receber em guarda. Foi uma medida de urgência e decorrente da falta de estrutura adequada prevista no ECA, e que deve estar à disposição do Poder Judiciário. Assim, não houve "escolha" de famílias, mas informou-se, dentre os habilitados por sentença que existiam crianças que precisavam com urgência de abrigo. Não apareceram famílias locais. O trabalho de localização de interessados com base nas sentenças depositadas em cartório foi procedido pelo cartório.

A LEI NÃO PREVÊ QUE IRMÃOS NÃO PODEM SER SEPARADOS EM CASOS COMO ESTE?
A lei prevê a possibilidade do desmembramento em casos excepcionais e justificados. Quando da audiência os casais apresentaram-se como moradores do mesmo condomínio residencial. Assim a guarda foi deferida pela excepcionalidade e por permitir a permanência do contato entre os irmãos.

OS PAIS ADOTIVOS PASSARAM POR CURSOS NA VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE COMO RECOMENDA A LEI?
Não existem "pais" adotivos no caso. Existem casais que receberam a guarda provisória. Se os casais estavam habilitados para adotar, devem ter cumprido todos os requisitos necessários.
Não achamos indicativo de crianças disponíveis para adoção, em Monte Santo, no Cadastro Nacional de Adoção. Estas crianças estiveram incluídas neste cadastro?
Não. Pois não foram "adotadas".

QUAL FOI O CRITÉRIO PARA A SELEÇÃO DOS PAIS ESCOLHIDOS?
Os que se mostraram interessados em receber as crianças de forma provisória e que tinham qualificação para tanto.

AS FAMÍLIAS PAULISTAS ESTAVAM NO CADASTRO NACIONAL DE ADOÇÃO?
Como habilitados, deveriam estar.

CARMEM TOPSCHALL APARECE EM NOTA ENVIADA PELO SENHOR COMO UMA CANDIDATA A MÃE ADOTIVA. POR QUE ELA DESISTIU DA ADOÇÃO?
Não sei. A petição de desistência foi apenas dizendo que desistia do pedido, sem qualquer justificativa. Lembro que o pedido feito e desistido foi feito em nome dela e do marido.

ELA É SUSPEITA DE INTERMEDIAR AS ADOÇÕES COM AS FAMÍLIAS DE SÃO PAULO. O SENHOR TEM CONHECIMENTO DE ALGUM CONTATO DELA COM AS FAMÍLIAS QUE ESTÃO COM AS CRIANÇAS?
Não ligava o nome a qualquer pessoa, mas depois de ver as imagens da reportagem que a entrevistou, posso dizer que ela estava presente no Fórum quando da audiência. Não me pareceu alguém que intermediasse algum negócio.
http://atarde.uol.com.br/bahia/salvador/materias/1461901-leia-entrevista-com-juiz-vitor-bizerra

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