segunda-feira, 8 de outubro de 2012

NUANCES DA LEI 12.010/2009



Sábado, 06 de Outubro de 2012
Paula Naves Brigagão

Resumo. O presente trabalho pontua a importância da família no contexto moderno, família essa provida ou desprovida de sangue, constituída essencialmente por relações de afeto e suas conseqüências.
Palavras-Chaves. Família – Criança – Afeto.
Sumário: 1.1) Vácuo Legislativo e a Jurisprudência; 1.2) Família Extensa ou Ampliada; 1.3) Família Sócio-Afetiva; 1.4) Conclusão. Referências Bibliográficas.


INTRODUÇÃO.
Qual a noção do instituto família? O sangue que corre nas veias ou o amor que pulsa nos corações? Um pouco de cada questionamento ou a somatória do mesmo. Uma interrogação não exclui a outra. A Lei 12.010/09 caminhou a passos lentos no sentido de uma maior amplitude familiar, especialmente no que toca à adoção por casais homoafetivos que não foi vedada, todavia, não houve previsão expressa nesse sentido. Ademais, conceitos como família extensa e família sócio-afetiva são dois pilares fundamentais a compreensão do real instituto da família no ordenamento jurídico brasileiro.

1.1) VÁCUO LEGISLATIVO E A JURISPRUDÊNCIA.
O artigo lastreia-se na Lei de Adoção 12.010 do ano de 2009 (Lei da Convivência Familiar e Comunitária), que trouxe, por ela mesma, algumas mudanças ao cenário jurídico sob o tema em foco. Assim, O Estatuto da Criança e do Adolescente, com a lei em epígrafe, ganhou nova roupagem, acrescentando polêmicas e ficando aquém das expectativas da sociedade civil e da comunidade em geral que aguardava ansiosamente pela previsão da adoção por casais homoafetivos, o que de fato, ficou a desejar. Destarte, limitou-se a “não proibir” abrindo espaço para a adoção por casais em união estável.
A jurisprudência paulista é consentânea ao posicionamento legal, no sentido da não vedação do instituto da adoção por casais homoafetivos, conforme se elucida: ADOÇÃO - Pedido efetuado por pessoa solteira com a concordância da mãe natural - Possibilidade - Hipótese onde os relatórios social e psicológico comprovam condições morais e materiais da requerente para assumir o mister, a despeito de ser homossexual - Circunstância que, por si só, não impede a adoção que, no caso presente, constitui medida que atende aos superiores interesses da criança, que já se encontra sob os cuidados da adotante - Recurso não provido. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO - Apelação Cível n. 51.111-0 – CÂMARA ESPECIAL - Relator: OETTERER GUEDES - 11.11.99 - V.U.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve o registro de adoção de duas crianças por um casal de mulheres da cidade de Bagé, no Rio Grande do Sul (CLIC RBS, 2010).
Nesse sentido vem se manifestando os tribunais pátrios conforme ementa abaixo colacionada:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO. CASAL FORMADO POR DUAS PESSOAS DE MESMO SEXO. POSSIBILIDADE. Reconhecida como entidade familiar, merecedora da proteção estatal, a união formada por pessoas do mesmo sexo, com características de duração, publicidade, continuidade e intenção de constituir família, decorrência inafastável é a possibilidade de que seus componentes possam adotar. Os estudos especializados não apontam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga aos seus cuidadores. É hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes (art. 227 da Constituição Federal). Caso em que o laudo especializado comprova o saudável vínculo existente entre as crianças e as adotantes. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70013801592, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 05/04/2006).
Na lavra de Maria Berenice Dias, seria melhor que a nova lei de adoção nem tivesse existido. O seu posicionamento é no sentido de que a primeira barreira legal estaria nas regras para a mãe que deseja entregar seus filhos à adoção.
Preleciona a respeitável doutrinadora: “O consentimento precisa ser colhido em audiência pelo juiz, com a presença do Ministério Público, e isso depois, de esgotados os esforços para a manutenção do filho junto a família. Esse procedimento é tão burocrático que vai fazer crescer ainda mais a fila de interessados na adoção.” (DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias – 4 ed. Ver., atual. e ampl. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2007.).
Com a devida vênia, ousamos discordar. Nem tanto ao céu e nem tanto a terra. Logo, concordamos que poderia a lei, de fato, ter avançado mais em alguns de seus dispositivos, mas teve o seu mérito e dele vamos nos debruçar nesse trabalho, lapidando o cotidiano mirim com as suas nuances. Há que se dizer que não se trata de uma lei avulsa, mas de criação legislativa com vistas a complementar o modificar lei já existente, qual seja, o Estatuto da Criança e do Adolescente.

1.2) FAMÍLIA EXTENSA OU AMPLIADA.
Uma grande novidade é a de que com o novel legislativo o Estatuto da Criança e do Adolescente contempla mais uma modalidade de família para fins de adoção. Trata-se do conceito de família extensa ou ampliada, conceito esse novo sob o ponto de vista legislativo e velho sob o ponto de vista doutrinário.
A denominação “família extensa” foi introduzida com a reforma do Estatuto da Criança e do Adolescente que se deu com a Lei 12.010/09 e, de acordo com o previsto no parágrafo único do artigo 25:
Art. 25. (...)
Parágrafo único. Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade. ( grifos nossos!).
O conceito de família já tinha sofrido modificações quando do advento do Estatuto da criança e do Adolescente e essa modificação veio apenas ratificar o posicionamento doutrinário até então existente entre os estudiosos do Direito. Trata-se da ampliação do conceito de família, transcendendo ao núcleo constituído por pais e filhos, acoplando, assim, os parentes próximos, com os quais a criança ou adolescente tenham estabelecido um vínculo de afinidade e afetos firmes.
Família extensa nada mais significa que uma unidade formada por parentes próximos com quem a criança ou adolescente conviva e mantenha vínculos de afinidade e afetividade, desde que não seja formada por pai ou pela mãe da mesma. A título de exemplo: os tios. A ratio legis é a permanência da criança ou do adolescente em sua família de origem.

1.3) FAMÍLIA SÓCIO- AFETIVA.
O Código Civil Atual silenciou quanto a previsão do instituto da família sócio-afetiva, mas a problemática é atual e o estudo da questão vem de encontro aos interesses da sociedade contemporânea.
Isso porque em face de perspectiva de novos casamentos e novas uniões estáveis, ou seja, da recomposição familiar a figura do padrasto e da madrasta passou a ser comum em nosso meio.
Logo, com o advento da nova relação do genitor cria-se um vínculo jurídico com o novo cônjuge/companheiro do genitor, mas mais do que isso, nos deparamos com o vínculo socioafetivo que se originou.
Longínquo o tempo das estorinhas em quadrinhos da branca de neve e os sete anões e sua madrastra do mal. Na atualidade, a figura da madrastra, lastreada no amor, mais se adequa a figura da boadrasta, uma espécie de irmã mais velha e amiga do coração. Laços afetivos surgem e ressurgem, novas relações são criadas e novo afeto é estabelecido entre as pessoas.
A jurisprudência não ignorou o instituto. Em sede de recurso especial, a Corte Superior estabeleceu as seguintes premissas:
Processo REsp 837324 / RS RECURSO ESPECIAL 2006/0073228-3 Relator(a) Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS (1096) Órgão Julgador T3 - TERCEIRA TURMA Data do Julgamento 18/10/2007 Data da Publicação/Fonte DJ 31/10/2007 p. 325
Ementa
CIVIL. FAMÍLIA. GUARDA PROVISÓRIA. COMÉRCIO DE MENOR.INEXISTENTE.
FAMÍLIA AFETIVA. INTERESSE SUPERIOR DO MENOR. OBSERVÂNCIA DA LISTA DE ADOÇÃO.
- Mesmo em havendo aparente quebra na lista de adoção, é desaconselhável remover criança que se encontra, desde os primeiros dias de vida e por mais de dois anos, sob a guarda de pais afetivos.
A autoridade da lista cede, em tal circunstância, ao superior interesse da criança (ECA, Art. 6º).
Acórdão
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ari Pargendler e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.

1.4) CONCLUSÃO.
O valor da família vai muito além dos laços sanguíneos. Casais homoafetivos, família extensa ou ampliada, família sócio-afetiva são temáticas que corroboram o verdadeiro sentido dos vículos, qual seja, o amor.
A sistemática legislativa avançou timidamente no sentido de maior aperfeiçoamento de tais institutos, todavia, o intérprete deverá se pautar por uma interpretação conforme a Constituição Federal no sentido de melhor se prestigiar a dignidade da pessoa humana em detrimento dos preconceitos sociais existentes no cenário jurídico.
Logo, quanto mais amplo o conceito de família maior a proteção que será conferida aos interesses das crianças e dos adolescentes. Só assim o sistema estará verdadeiramente revestido de proteção.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
FACHIN, Luiz Edson. Comentários ao novo código civil: do direito de família; do direito pessoal; das relações de parentesco, v.18. 1. ed. Coordenador Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRIGAGÃO, Paula Naves. Nuances da Lei 12.010/2009. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 out. 2012. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.39864&seo=1
>. Acesso em: 08 out. 2012.

PAULA NAVES BRIGAGÃO: Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Privado. Aprovada no Concurso Público para o cargo de Notários e Registradores no Estado de Minas Gerais. Mestranda em Direito das Relações Internacionais pela Universidad de La Empresa. Atuou como Juíza leiga perante o XXIV Juizado Especial Cível da Comarca da capital do Estado do Rio de Janeiro. Atuou como Conciliadora na XXXIII Vara Cível da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro. Estagiou na Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro e na Procuradoria do Estado do Rio de Janeiro, aprovada em concurso público. Escritora na área jurídica.
http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,nuances-da-lei-120102009,39864.html

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