terça-feira, 23 de outubro de 2012


OF ENTREVISTA O JUIZ ÉLIO BRAZ
20-10-2012
Por Carol Maia


O Observatório Feminino dá continuidade a SÉRIE ADOÇÃO: quando o afeto pede espaço com a entrevista de Élio Braz, Juiz da 2a Vara da Infância e da Juventude do Recife. Os avanços do âmbito jurídico e a interdisciplinaridade das ciências sociais no processo de adoção são alguns dos assuntos em pauta. Não só para os pretendentes à adoção, uma boa oportunidade para se atualizar sobre o tema.

OF – AINDA PODE SE CONSIDERAR DIFÍCIL ADOTAR UMA CRIANÇA NO BRASIL?
EB – A prática atual no Brasil se dá através do Cadastro Nacional de Adoção. Esta prática permite que a pessoa que entrou no Cadastro, – existindo a criança do perfil desejado – EM MENOS DE UMA SEMANA SEJA CONVOCADA PARA RECEBER A CRIANÇA E INICIAR O ESTÁGIO DE CONVIVÊNCIA. A dificuldade que as pessoas falam não é provocada pela Legislação nem pelo Poder Judiciário. Essas dificuldades são trazidas para o Judiciário porque algumas famílias RESOLVEM PEGAR CRIANÇA FORA DO CADASTRO. Normalmente, pegam uma criança de família muito pobre, às vezes, até no interior do Estado. Não colhem as informações corretas, não têm os documentos corretos, nem se quer sabem o nome da mãe e o endereço. Comparecem em juízo dizendo que querem a adoção e acham que a justiça vai homologar e legalizar uma situação ilegal. Nós somos obrigados a investigar. Porque o direito da criança é o mais importante e nós precisamos saber se essa criança, de fato, foi vítima de sequestro, venda, suborno, de alguma irregularidade, de alguma ilegalidade ou de algum crime. Vai demorar porque vamos ter que oficiar a GPCA (Gerência de Polícia da Criança e do Adolescente), aos Conselheiros Tutelares, às maternidades e investigar tudo. Só podemos conceder a adoção com a situação totalmente esclarecida e legalizada.

OF – ENTÃO ESSE PROCESSO BUROCRÁTICO FUNCIONA COMO PROTEÇÃO A VIDA DA CRIANÇA?
EB – NÃO É UM PROCESSO BUROCRÁTICO, é um processo de segurança para as adoções de crianças que não estão no cadastro. Há muitas famílias por conta e risco próprio que resolvem pegar uma criança no interior, em alguma comarca, e depois aparecem em juízo para fazer a adoção. Isso do ponto de vista da lei é proibido. Só é possível adotar crianças fora do cadastro naquelas hipóteses previstas pelo Art.50, parágrafo 13, do ECA. São elas: 1) adotar o filho do(a) companheiro (a), a chamada adoção unilateral ; 2) adotar uma criança ou adolescente, filho de um parente próximo; 3) caso a pessoa tenha a guarda ou a tutela de uma criança, maior de três anos de idade, ou de um adolescente. A lei só autoriza esses três casos. Os demais casos são adoção consentida (previstos pelo Art. 166 do Estatuto) , por isso precisam ser investigados, o que demora um pouco.

OF – EM MÉDIA?
EB – Os casos do cadastro, demoram DE TRINTA A SESSENTA DIAS. Se o pretendente se inscreveu no Cadastro Nacional de Adoção, a criança existe e já está destituída do Poder Familiar, É SÓ CHAMAR, é um processo de jurisdição voluntária que sequer tem audiência. Um relatório psicossocial preparado pela equipe, em duas visitas domiciliares, é encaminhado para o juiz e ele dá a sentença. Os processos que demoram mais são aqueles que precisam de investigação e, MESMO OS MAIS DEMORADOS, PASSAM, NO MÁXIMO, SEIS MESES.

OF – COMO A SOCIEDADE CIVIL TEM SE JUNTADO AO JUDICIÁRIO PARA AVANÇAR NESSA TEMÁTICA?
EB – A sociedade civil está fazendo a leitura do Estatuto. O Estatuto ficou na sombra durante muito tempo, e parte dele ainda está na sombra, mas a sociedade tem tomado conhecimento que a criança é sujeito de direito. Hoje, se uma criança chora e o vizinho escuta, ele telefona para o Conselho Tutelar ou para a polícia e denuncia. Coisa que não acontecia, há 10 anos, mesmo na vigência do Estatuto. O estatuto completou 22 anos, no dia 13 de junho, porém, antes as pessoas ainda não o compreendiam. Atualmente essa compreensão vem se fortalecendo e a sociedade já entende que criança não é propriedade do pai e da mãe, que ela é um feixe de direito e deveres e o Estado tem obrigação de garantir esses direitos. Portanto, casos de crianças fora da escola precisam ser denunciados, crianças na rua precisam ser levadas ao Conselho Tutelar. Não podemos admitir criança na rua ou em ambientes para adultos desacompanhada porque a lei proíbe. A consciência dos direitos da criança está transformando a sociedade civil em parceira. É dever de todos (família, sociedade e Estado) pelo Art. 227 da Constituição Federal garantir proteção integral a todas as crianças e adolescentes.

OF – QUAIS AS ATUALIZAÇÕES MAIS MARCANTES NO PROCESSO DE ADOÇÃO NO BRASIL?
EB – A igualdade entre homens e mulheres. Agora o tempo da licença paternidade está sendo autorizada no mesmo tempo da licença maternidade. Há uma decisão de uma Vara Federal de Santa Catarina que já esta com vigência para todo o Brasil. Outro avanço é a Lei no 12.010, que entrou em vigor no dia 3 de novembro de 2009. Essa lei determina que a criança não pode passar mais de dois anos na instituição de acolhimento, o juiz tem que decidir a situação da criança. Também temos o Art. 13 que determina que as mães grávidas que desejam entregar seus filhos em adoção devem ser encaminhadas para o Judiciário. LÁ, ELAS SÃO OUVIDAS E AS CRIANÇAS QUE ELAS VÃO PARIR SÃO, IMEDIATAMENTE, ENCAMINHADAS PARA ADOÇÃO. Já temos crianças que são adotadas com trinta, sessenta dias de vida. Isso era quase impossível antigamente. Os avanços trazem mais responsabilidade aos juízes, promotores e aos Conselhos Tutelares em relação a permanência das crianças nas instituições de acolhimento (os antigos abrigos). A criança não pode ficar sem família. Quanto mais ela tiver acesso a uma convivência familiar, seja biológica ou adotiva, mais o seu direito está sendo preservado.

OF - COMO O JUDICIÁRIO SE POSICIONA CASO O PRAZO DE PERMANÊNCIA DA CRIANÇA NA INSTITUIÇÃO DE ACOLHIMENTO ULTRAPASSE OS DOIS ANOS?
EB – O prazo de dois anos é para que o juiz defina a situação da criança. Mas se essa definição, por exemplo, se trata de uma criança mais velha que não volta para a família biológica nem vai para adoção, ela permanece no abrigo. PORÉM, A CADA SEIS MESES, É FEITA UMA REAVALIAÇÃO PARA INDICAR A SITUAÇÃO PESSOAL, SOCIAL E FAMILIAR DAQUELA CRIANÇA. O QUE NÃO PODE É A CRIANÇA FICAR ESQUECIDA NA INSTITUIÇÃO.

OF – COMO O DIREITO TEM ACOLHIDO A AFETIVIDADE?
EB – Hoje o Direito como Ciência tem acolhido muitos institutos da Psicologia, do Serviço Social e das demais ciências, criando um ambiente interdisciplinar. A afetividade tem sido para o Direito um elemento fundamental no que diz respeito ao conceito de família. A família está onde existe o afeto e se pode ter uma vida saudável, família não é mais resultado do casamento. As tradicionais funções familiares – reprodução e a sucessão pelo patrimônio – deixaram de ter importância e a afetividade ganhou seu devido espaço.

OF – PARA O ÂMBITO JURÍDICO, O QUE SERIA O MUNDO PERFEITO NO PROCESSO DE ADOÇÃO?
EB – NÃO HÁ DIFERENÇA DO MUNDO JURÍDICO PARA O MUNDO SOCIAL, PARA O MUNDO RELIGIOSO, PARA O MUNDO FILOSÓFICO, O MUNDO É UM SÓ. O mundo que pode se considerar desejado (não sei se o perfeito) é aquele onde haja respeito entre as pessoas, onde o meu direito termina onde começa o direito do outro e há tolerância sob todas as ordens (religiosa, politica, social, científica, afetiva, amorosa, sexual). As pessoas precisam viver em comunhão e harmonia. Amar ao próximo como a si mesmo. Essa é a máxima da alteridade, da possibilidade de reconhecer-se no outro perante todas as leis. Enfim, o mundo é um só e o mundo desejado por todos é o de respeito ao próximo.
http://observatoriofeminino.blog.br/destaque/of-entrevista-o-juiz-elio-braz/

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