sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Não nasci da barriga da minha mãe! Sabia?

 24/01/2013, Paula Saretta Dicas de livros infantis 3

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 Com a participação mais do especial de Ana Maria Falcão de Aragão*

A adoção é algo absolutamente comum, mais corriqueiro do que imaginamos até, mas que enfrenta muitos tabus ainda.

Contar para as crianças que ela não é biologicamente formada pela mistura de seus genes com os do seu marido pode ser, para algumas mães, motivo de muita ansiedade e dúvida.

Já, de cara, queremos deixar bem claro que não encaramos a adoção como um “ato de amor”, ou seja, como algum tipo de caridade, solidariedade ou com algum caráter assistencialista.

Entendemos a adoção como mais um encontro emocional, entre mulheres e homens dispostos, mais do que a qualquer coisa, de serem pais e mães. Por esse motivo, estamos aqui discutindo, antes de mais nada, o desejo profundo e verdadeiro de vivenciar a maternidade e a paternidade.

Há, neste caso, uma única diferença: a gestação aqui é emocional e, por isso, o encontro pode ser marcado assim… de repente. Pode até um dia ter data, horário, local e às vezes até ser possível conhecer as características físicas da criança antes da chegada, mas o tempo gestacional habitual de nove meses, pode ser aumentado em anos ou diminuído em dias.

Independentemente do tempo físico de espera, a “gestação emocional” geralmente é sentida como infinita e carregada de fortes e intensas emoções. Na fase de espera por um telefonema ou um aviso, ter que lidar com os milhares de sonhos que já foram pensados e idealizados para aquele bebê que um dia chegará, pode ser uma tarefa nada fácil de administrar.

Algum tempo depois da chegada dessa criança, contar a “verdade” para seu filho sobre sua gestação emocional já é algo que começa a preocupar. “Será que ele vai sofrer? Será que sentirá o peso de uma ideia de rejeição? Será que vai querer conhecer esta história algum dia?”

Preocupações que qualquer pai e mãe têm, mas em medidas diferentes. Se mudarmos o foco e olharmos para nós, adultos e não para as crianças, perguntaríamos: como você se sente? Por que pode parecer tão difícil contar? O que teme? Como você entende a opção pela adoção? O que espera do seu filho? Etc..

E imerso nesse turbilhão de sentimentos, um belo dia, o telefona toca, o coração dispara e a relação nasce. O maravilhoso encontro entre pais e filhos um dia acontece. E… só ali, naquele breve instante da apresentação inicial, que separa, pela última vez, mulheres e homens de considerarem-se mães e pais para toda a vida, é que se permite que seja dito algo do tipo: “Somos os pais deste bebê, independente de onde ele tenha sido gerado!”

Entretanto, é muito comum as pessoas perguntarem à família adotiva “quem é a verdadeira mãe dele(a)?”. Mas o estranhamento por aquela pergunta faz com que, orgulhosamente, as mães possam dizer, de boca cheia: “Sou eu! Muito prazer!” e ainda esticar a mão em cumprimento.

O que significa a assunção da maternidade/paternidade dessa forma? Para nós, isto quer dizer que ser “mãe/pai de verdade” é amar esta criança, respeitá-la, estimulá-la, ajudar a promover seu desenvolvimento em todos os sentidos. Erroneamente, a mídia tem contribuído muito com este equívoco, apontando pessoas que, por exemplo, depois de adultos, foram atrás de seus “verdadeiros pais”. Verdadeiros por quê? Em que são verdadeiros? Verdadeiros não são aqueles que estão vivendo juntos pela vida toda? Não estamos falando do ponto de vista biológico, mas da constituição da identidade destes pais e destes filhos adotivos.

Não sabemos de um único pai ou mãe que tenha, imediatamente após o nascimento de seu filho, o reconhecido como alguém que sempre esteve presente na sua vida. Uma mãe de um bebê de três meses (nascido de sua barriga) disse, certa vez: “há pouco tempo comecei a sonhar com a minha filha”, querendo dizer: “agora já a reconheço como sendo parte da minha vida”. A relação é um processo que se constrói. Na relação entre pais e filhos, professores e alunos, homens e mulheres, homens e homens e mulheres e mulheres. Vamos, assim, aprendendo a conviver com o outro, com todas as contribuições que podem advir dessa relação (boas e outras nem tanto).

Entender como algo particular, mas completamente natural, nos leva a deduzir que não há porque esconder ou ocultar os fatos, cada um tem a sua história e a criança tem direito de conhecer como foi gerada (biologica e emocionalmente). Pensamos também que quanto antes for contado, melhor. Principalmente se para você (como para nós) a diferença simplesmente não existe. Além de ser um direito, pensamos que se isto realmente não faz nenhuma diferença na vida dessa família, não há porque buscar adiar informações que são solicitadas pela maioria dos seres humanos.

A curiosidade em saber “de onde eu vim?”, geralmente, aparece logo nos primeiros anos de vida, quando começam a falar e entender um pouco melhor o mundo. Este pode ser um bom momento para ouvir suas perguntas e buscar, lá dentro de você, as melhores respostas.

Ana, como mãe adotiva de uma menina-mulher de 20 anos conta que desde que ela nasceu, lhe dizia (mesmo sem ela entender!): “uma mulher emprestou a barriga pra mim, pois não conseguia fazer você na minha barriga!” e isto foi algo que foi sendo tratado e trabalhado como algo corriqueiro. Nunca, em hipótese alguma, ela disse que usou a expressão “sua mãe verdadeira” ou “sua mãe biológica”, pois acreditava que só isso só traria complicações para a sua cabecinha. Sempre se referia a ela (mãe biológica) como a “mulher que me emprestou a barriga”. Ana costuma dizer que “independentemente de onde ela tenha saído”, ela é SUA filha e pronto.

Crianças entendem a vida de modo muito diferente dos adultos. Ana lembra de uma vez, quando sua filha tinha uns 5 anos e resolveu contar sua história na escola (dizendo que não tinha nascido da barriga da mãe, que uma outra mulher lhe emprestou a barriga, etc..) e, ao final, uma criança lhe disse “sabia que vou pra Disney em julho?”, tratando como se aquilo fosse só um detalhe na história pessoal dela, que realmente não tinha tanta importância. Ana, por isso, lamenta: “O grande problema sempre foram os adultos, as mães de algumas crianças que insistem em mães verdadeiras ou falsas”.

Uma dica de livro que trata do assunto de modo delicado e sensível, chama-se “O medo da Bia”, da autora paulista Luciene Regina Paulino Tognetta, da editora Adonis. O livro conta a história da filha da Ana, a Bia, nossa inspiração aqui.

Bia, aos 5 anos, quando estava com sua mãe e ouviu de uma amiga da escola, digamos a inconveniente pergunta: “Tia, quem é a mãe verdadeira dela?” Ao ver a “apresentação” de sua mãe para a amiguinha, Bia olhou surpresa para sua mãe e perguntou: “Mãe, do que ela está falando?” Ana, rapidamente respondeu: “Filha, ela está querendo saber da sua adoção!” E assim, Bia deduziu, com a genialidade do olhar de uma criança: “ah, ela está querendo saber se a gente se ama?”

Isso! Simples assim. Mas tem que ser simples também para nós, adultos.

Por isso, o convite está feito: faça uma visita aí dentro de você e conheça suas crenças, suas reais motivações, como se sentiu e se sente em relação a tudo isso. Sendo mãe/pai biológico e/ou adotivo.

Afinal, você terá que emprestar seus olhos ao seu filho por um tempo importante da vida dele. Cuide, portanto, das suas percepções e do seu olhar para o mundo, para que possa apresentar a ele um lugar interessante de se viver, um lugar cheio de possibilidades, de perspectivas e de respeito ao outro.

Ah! E se assim for e um dia a dor ou o medo resolverem aparecer, seu filho, certamente, estará preparado para enfrentá-los corajosamente, assim como fez a Bia, na história contada brilhantemente por Luciene Tognetta.

*Ana Maria Falcão de Aragão, é mãe da Bia, de 20 anos e professora livre docente do Departamento de Psicologia Educacional da Faculdade de Educação da UNICAMP.


http://ouvindocriancas.com.br/2013/01/24/nao-nasci-da-barriga-da-minha-mae-sabia/

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