domingo, 31 de março de 2013

Muitas crianças entram bebês nas instituições e crescem lá

Adoção
Sexta-feira, 04 de Janeiro de 2013
Muitas crianças entram bebês nas instituições e crescem lá
A defensora pública Juliana Nogueira Andrade Lima é coordenadora do Núcleo de Defesa da Criança e do Adolescente,
inaugurado pela Defensoria em fevereiro de 2011.

Localizado no Fórum Clóvis Beviláqua, o setor é responsável pelo
atendimento inicial do público que deseja ingressar com ação nas Varas da Infância e da Juventude da Comarca de Fortaleza.

Qual o papel da Defensoria Pública nesses procedimentos?
[Juliana Nogueira] A Defensoria inicia o processo e, partir da distribuição por sorteio a uma das quatro Varas, o defensor público da unidade acompanha o caso.

Todas as varas contam com defensor?
[JN] Um em cada vara; um no projeto “Justiça Já”, que presta atendimento inicial aos adolescentes acusados de ato infracional; e três no Núcleo de Defesa da Criança. Desses três, dois ficam responsáveis pelos processos cíveis e o outro trata dos casos de internação de quem responde a ato infracional.

Seja qual for o tipo de adoção, precisa passar pela Defensoria?
[JN] Sim. Com a Lei de Convivência Familiar e Comunitária (nº 12.010/2009), a principal forma de adoção é feita por meio do Cadastro Nacional de Adoção. A lei trouxe mais rigor.

O Estatuto da Criança e do Adolescente indica adoção pelo Cadastro, mas não exclui a adoção “intuito persona”, aquela em que a mãe entrega a criança diretamente para outra família. Infelizmente, não existem políticas públicas para acompanhar a mãe que não quer entregar o filho à unidade de acolhimento e, posteriormente, passar pelo processo de adoção. É uma questão ainda cultural a mãe entregar o filho para uma família próxima.
Nesses casos, a Defensoria orienta que o adotante se inscreva no Cadastro. Isso é importante porque ele passa por processo de habilitação, recebe acompanhamento psicológico, de assistente social e participa de curso. Ao final, o magistrado julga se a pessoa está habilitada ou não para adotar. E um ponto favorável passar pela habilitação, independentemente da forma de adoção. Agora, o procedimento via Cadastro Nacional é bem mais tranquilo.
Pobreza é motivo para o acolhimento e, posteriormente, para a adoção?
[JN] Para que uma criança ou adolescente seja colocado em acolhimento institucional, precisa estar vivendo em situação de risco. A pobreza em si não ocasiona isso. Em primeiro lugar, existe o direito à convivência familiar e comunitária. A situação de risco é muito mais abrangente do que a pobreza. É importante esclarecer que o fato de estar no acolhimento não significa que, obrigatoriamente, a pessoa será adotada.

A situação de risco que levou ao acolhimento pode cessar a qualquer momento e esse trabalho tem que ser feito. Infelizmente, não existe acompanhamento do poder público para as famílias. Muitas delas entregam os filhos para acolhimento porque estão em situação de moradia de rua, sem emprego. Se tivéssemos programas sociais voltados a esses casos, a família teria condições de receber a criança de volta.
Teve um exemplo em que os filhos foram acolhidos e nós encaminhamos os pais para o Núcleo de Habitação da Defensoria, que conseguiu colocá-los no projeto “aluguel social”, em que o poder público paga por seis meses e depois a família assume o valor do aluguel. Eles provaram que depois do prazo de carência teriam condições de continuar o pagamento e retomaram os filhos. Se trabalhos como esse fossem mais abrangentes, muitas pessoas recuperariam suas crianças.
Qual a consequência das drogas nesse problema?
[JN] A gente que trabalha com acolhimento, adoção, percebe que tudo inicia com a desestruturação da família. O Estatuto da Criança diz que a responsabilidade é da família, do Estado e da sociedade.

A família é a base de tudo. Quando é desestruturada, gera impactos negativos na vida de uma criança ou adolescente, que está em formação. Se a dependência química fosse tratada da maneira adequada, muitas pessoas, inclusive adolescentes, teriam outros caminhos, mais felizes. Muitos pais que perdem os filhos por serem usuários de entorpecentes, entregam os filhos e continuam na dependência química, não têm como tratar o problema. No primeiro momento, tem que ter a vontade, mas não existem locais públicos que ofereçam tratamento adequado. O custo de uma clínica particular é muito alto, nem todos podem pagar. A drogadição interfere na perda dos filhos e gera outros problemas, como a violência.
O número de pretensos adotantes é sempre maior do que a quantidade de pessoas disponíveis à adoção. Como a senhora analisa esses números?
[JN] É uma questão bem complexa. A exigência do perfil é uma realidade. As pessoas buscam bebê de até um ano de idade, menina, branca e saudável.

Também existem pessoas que, ao ter contato com essa realidade, vêm a dificuldade de encontrar, acabam mudando. Quando aflora a vontade de ser mãe, às vezes, mudam o perfil exigido e passam a enxergar que a adoção tardia pode render bons frutos também. A grande dificuldade desse perfil mais comum é a questão das crianças disponíveis.
Infelizmente, muitas entram bebês nas unidades de acolhimento e crescem lá dentro. Para elas, a chance de serem adotadas vai ficando cada vez mais distante. Os profissionais têm o objetivo de restabelecer o vínculo das crianças com a família biológica, de ver a possibilidade de retorno aos pais, de a família dar uma vida digna. Não existindo essa possibilidade, o profissional sugere a destituição do poder familiar. A grande questão é a finalização do processo.
O tempo demorado faz com que a criança saia do perfil. Esse é o grande prejuízo para a vida de quem está acolhido.
O prazo fixado em lei para a destituição do poder familiar é de no máximo 120 dias. Existem processos desse tipo tramitando desde 2008. Por que essa demora? De quem é a culpa?
[JN] É muito complicado culpar alguém e achar que está tudo certo. Cada ator do sistema de Justiça tem sua parcela de responsabilidade. A Defensoria tem visitado, sistematicamente, as casas de acolhimento. São dois defensores e cada um fica responsável por 13 unidades, buscando saber as demandas dos acolhidos. Eles analisam a situação das instituições e, principalmente, das crianças e dos adolescentes.
Um dos problemas é a demora na destituição do poder familiar. Os defensores, nas visitas, atuam como curadores especiais das crianças e, quando elas têm algum processo em tramitação, o defensor da Vara onde está ação passa a ser curador especial do acolhido, porque somente aquele defensor pode atuar na vara.
Quem fez a visita conversa com o defensor que está na vara sobre o processo e analisam medidas para agilizar. O objetivo é que a criança ou volte para casa ou seja disponibilizada para adoção, evitando que cresça institucionalizada dentro das unidades. Alguma coisa tem sido feita, mas de forma pontual.
A Defensoria pode ingressar com ações de destituição do poder familiar?
[JN] A destituição do pode familiar, segundo a lei, pode ser atribuição do Ministério Público ou de quem tenha interesse.

A Defensoria pode fazer esse pedido, ou representando a pessoa que tenha interesse ou como curadora especial. Esse trabalho tem sido feito visando ao princípio da proteção integral da criança e do adolescente, garantido pela Constituição Federal e pelo ECA. Quem deve zelar é o Ministério Público, mas a Defensoria tem o dever de promover a defesa da criança.
Defender não é somente ficar dentro da sala de audiência, pegar processo, fazer defesa formal. A criança e o adolescente são sujeitos de direito e a defesa é bem mais complexa. Nesse sentido, a Defensoria é legitimada para fazer. Se a destituição é a mais indicada à criança, para que saia do acolhimento, a Defensoria vai ingressar com o pedido para garantir a convivência familiar e comunitária. Isso não exclui a legitimidade do Ministério Público. As duas instituições podem caminhar no mesmo objetivo.
Sempre que necessário, o Ministério Público e a Defensoria têm entrado com os pedidos de destituição?
[JN] A Defensoria vem fazendo esse trabalho há pouco tempo, porque viu que realmente tinha essa necessidade. Quando necessário, fazemos também esse pedido.

Durante o processo, os pais têm todo o direito de defesa e aqueles que consideram que não devem perder o poder familiar podem contratar advogado ou serem representados por defensor público. A decisão do juiz pode ser favorável ou não à destituição. A equipe que acompanha a criança sugere a ação de destituição, mas o Ministério Público ou a Defensoria podem não concordar porque não se convenceram. Nessas situações, podem requerer que a equipe do Juizado faça acompanhamento para ver se também vai sugerir a destituição. Somente depois, o processo é protocolado.
Todo o processo, antes administrativo, agora é judicial. Por quê?
[JN] Para garantir aos pais o direito ao contraditório e à ampla defesa. O fato de a Defensoria ingressar com pedidos de destituição, não deixa as famílias, que não podem pagar advogados, sem defesa. O defensor, como curador especial, vai defender a criança. Também terá defensor para atuar em nome dos pais, caso contestem a ação e queiram o filho de volta. Não é o mesmo profissional que atua nas duas defesas, são diferentes.

A partir de setembro de 2011, com a judicialização do acolhimento, começou o trabalho de conhecer a realidade das instituições, até mesmo para levantar o perfil das unidades. Isso ajuda nos encaminhamentos, para que a criança seja colocada em local condizente com o perfil e até mesmo para ver o que podemos fazer para melhorar a vida desses jovens.
O acolhimento deve ser excepcional e temporário, no máximo dois anos. Por que esse prazo não tem sido respeitado?
[JN] Em se tratando de criança e adolescente é muito difícil estipular tempo. É uma questão muito mais complexa. São muitos fatores que levam à perda de um filho e para não cometer injustiça é difícil fixar um prazo para buscar o vínculo familiar.

A partir do momento em que, quem está acompanhando a criança sugere destituição por não ser possível a reestruturação do vínculo, o Ministério Público tem a possibilidade entrar com o processo. A Defensoria também vem nessa perspectiva, para dar maior agilidade aos procedimentos. O papel das instituições de acolhimento é fazer o acompanhamento da criança e informar ao Judiciário quando não for possível o retorno à família.
A Justiça tem que processar e julgar a ação de destituição o mais rápido possível, para que o direito à convivência familiar e comunitária seja garantido. Se não está funcionando dessa forma, é preciso ver onde está a falha e ver o que fazer para melhorar. Agora, é muito difícil dizer aqui é o erro do Judiciário, do Ministério Público ou da Defensoria. É um sistema e que, se não está funcionando bem, é preciso analisar o entrave.
Qual o prazo razoável para procedimentos de destituição e adoção?
[JN] Deve ser o mais rápido possível. Há crianças que chegam ao acolhimento e não há muito o que investigar, pois não têm família, e tudo deve ser breve. Outras situações exigem procura maior por familiares. É muito complicado falar em prazos. A morosidade é geral, não é somente da área da infância e da juventude.

É inadmissível tempo muito longo por se tratar de crianças, a infância dura apenas seis anos. O tempo passa muito rápido. Acabou, vem a vida adulta e não tem mais uma Justiça especializada para protegê-los. Em se tratando de infância, não dá para ser estritamente legalista, pela peculiaridade e complexidade da matéria. O superior interesse da criança deve estar acima de tudo.

http://www.oestadoce.com.br/noticia/muitas-criancas-entram-bebes-nas-instituicoes-e-crescem-la 

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