segunda-feira, 26 de agosto de 2013

POR QUE SÓ BEBÊS?


26/08/2013
Rodrigo Craveiro
A preferência por recém-nascidos ainda é uma barreira para reduzir o número de crianças à espera de um lar. Mas essa realidade começa a mudar: no DF, a adoção tardia de irmãos aumentou 80% desde 2009

Eles ficaram ali, abraçados, sem que fosse preciso dizer uma única palavra. Durante meia hora, o silêncio representou uma mistura de alívio e afeto. Um sentimento que só quem experimenta tem a exata dimensão do que ele significa. A certidão de nascimento nas mãos do empresário Rafael de Freitas Peixoto e da servidora pública federal Andréa Collaço era a certeza de que os irmãos biológicos paranaenses Henrique, hoje com 12 anos, e Daniela, de 11, acabavam de ganhar um pai e uma mãe. Uma fonte inesgotável do amor que, um dia, lhes foi tirado. Henrique pediu que o início da nova vida fosse comemorado num restaurante japonês. Naquele momento simbólico, em 2010, dois anos depois do início do processo de adoção, outra família começava a nascer. Hoje, Rafael e Andréa estão separados e compartilham a guarda dos irmãos.
A adoção tardia é cada vez mais comum no Distrito Federal. De acordo com a Seção de Colocação em Família Substituta da Vara da Infância e da Juventude, entre janeiro e 10 de julho de 2013, 19 crianças foram adotadas no DF. Desse total, nove tinham até 2 anos, sete estavam na faixa etária entre 2 e 6 anos e três, entre 6 e 12 anos. Dados que já revelam um crescimento. Segundo a vara, desde 2009, o crescimento de adoções foi de 34,8%. Já os processos de adoção tardia de irmãos, crianças de 3 a 11 anos de mesma família, como Henrique e Daniela, aumentaram 80% no mesmo período.
Quando Rafael e Andréa entraram no carro e dirigiram por cerca de 900 km, já sabiam que seriam pais. Os preparativos para a adoção foram intensos. Andréa começou a frequentar uma comunidade no site de relacionamentos Orkut, onde costumava conversar com filhos adotivos. Antes mesmo de entrar com os documentos, Rafael devorou vários livros e frequentou as reuniões semanais do Aconchego, um grupo de apoio à convivência familiar e comunitária que, desde 2007, oferece apoio técnico e psicológico às famílias que decidem adotar crianças maiores de 3 anos. “Depois de ir aos encontros, percebi que não era algo tão complicado e difícil, como as pessoas falam. Entramos com o processo em setembro de 2007 e, em abril de 2008, depois de uma análise psicossocial, fomos habilitados”, contou Rafael.
Rafael e Andréa receberam as fotos dos filhos e optaram por não conhecer o histórico dos dois, “para não contaminar o processo”. “A primeira coisa que pensei quando vi o retrato foi: ‘Nossa, como eles são bonitos’”, lembra o empresário. Em outubro de 2008, os dois conviveram durante 12 dias com os garotos, em Londrina. O primeiro encontro ocorreu sob supervisão. Quatro dias depois, Rafael e Andréa revelaram a adoção. “A Dani se apavorou e não queria mais saber da gente. Mas, quando chegava ao abrigo, contava para as amigas que tinha ido passear com o pai e a mãe. O Henrique ficou feliz, mas com medo”, lembra o pai.
Os primeiros meses no novo lar, em Brasília, foram intensos. Henrique e Daniela não compreendiam as relações de parentesco e tinham dificuldades em assimilar as figuras de tios e avós. Quando chegaram à capital, não sabiam a diferença entre arroz e feijão e entre os pães. Os odores também os estimulavam muito. “O Henrique ficava o tempo todo me cheirando. No abrigo, há um odor muito forte de produto de limpeza, e fragrâncias de perfume mexiam bastante com eles”, explica Rafael.
Os irmãos passaram por três fases geralmente vivenciadas na adoção tardia. A primeira delas envolve o desejo de adaptar-se à nova família. “A criança faz de tudo para você adotá-la, pois quer viver um sonho de infância. Mas há uma idealização, tanto dela quanto dos pais”, admite o empresário. A segunda etapa é o medo de ser devolvido ao abrigo. A terceira fase compreende uma regressão – o filho busca viver com a nova família tudo o que não experimentou com os pais biológicos. “Essas três fases ocorrem de uma única vez”, explica Rafael.
À espera do primeiro filho biológico, de outro relacionamento, ele garante que o amor por Henrique e Daniela tem a mesma dimensão do que já sente pelo futuro bebê. “A adoção não é um amor compulsório, é opcional. Mas o amor que sentimos por eles é exatamente o mesmo.” Ele reconhece a existência de certo preconceito em relação à adoção tardia. “A escolha que o Henrique e a Dani fizeram foi pior do que a nossa, pois vieram conosco para Brasília. E se nada desse certo? Eles deixaram tudo”, ressalta.
As expectativas num processo de adoção tardia não são apenas das crianças. “É a gestação mais especial. Você descobre que vai ser mãe, já sabe o sexo do bebê, conhece o rostinho dele e ele já tem nome. Quando vimos o Levi, ficamos encantados”, resumiu a bancária Débora Alves da Silva. “Serei eternamente grata por ele ter me escolhido como mãe. Ser escolhida não tem preço, e só quem se entrega, de corpo e alma, ao prazer da adoção pode saber como é bom”, acrescentou. Em outubro de 2011, as vidas de Levi, então com 6 anos, de Débora e do marido, Fernando Melo, mudaram para sempre.
A bancária Débora Alves da Silva conta que o processo de adoção de Levi foi muito tranquilo. Em outubro de 2011, depois de três meses de convivência, Levi já estava morando com os pais. “Ele aceitou superbem a nossa família. Os primeiros meses foram de adaptação, de ajustes na rotina. O Levi já carregava uma bagagem comportamental, mas, ao mesmo tempo, mostrou-se esforçado, sempre querendo nos agradar”, lembra Débora.
Assim que a certidão de nascimento de Levi foi emitida, Débora e Fernando deram entrada em uma nova documentação, na Vara da Infância, para adotar mais uma criança.
“O amor que eu sinto por ele é algo surreal. Muitos dizem que tenho de gerar um filho, pois preciso saber o quanto é bom sentir a criança crescendo na minha barriga, mas, sinceramente, isso não faz falta para mim. Essa coisa física não me motiva. Agora, ver o amor crescer mais e mais, a cada dia, de forma recíproca, não tem preço”, comenta Débora.
Fernando compartilha das sensações vivenciadas pela mulher. De acordo com ele, o amor que sente por Levi é “incondicional”. “O Levi é um menino como qualquer criança da idade dele, faz os ‘aprontamentos’, mas é uma criança. Companheira, carinhosa e compreensiva. É muito especial para nós. Hoje, eu e a Débora não conseguimos viver sem ele do nosso lado”, conclui.

O FENÔMENO DA ADOÇÃO TARDIA TEM SIDO CADA VEZ MAIS COMUM? POR QUE AS PESSOAS TAMBÉM ESCOLHEM ADOTAR CRIANÇAS, E NÃO BEBÊS?
Com a nova Lei de Adoção, foi implantada a exigência de curso preparatório para os pretendentes à adoção. Com isso, eles recebem mais informações, têm mais espaços para debates e são esclarecidos sobre o processo de filiação. Automaticamente, há mais questionamentos e conscientização da filiação, do desejo de ser pai e mãe. Há mais informações sobre o desenvolvimento psicoafetivo da criança e do adolescente. Muitos não escolhem crianças mais velhas por falta de informação. A atração ou o desejo por bebê é muita idealização de querer ver o desenvolvimento e ter a ilusão de que terá o controle da vida afetiva do bebê.

O PROCESSO DE ADAPTAÇÃO DE UMA CRIANÇA MAIS VELHA É MAIS DIFÍCIL?
A adaptação é mais trabalhosa na adoção tardia, mas não impossível. São papéis de filho e filha, pai e mãe, que serão construídos. Como todo relacionamento, haverá ajustes, negociações, descobrimentos, reações e um despertar para um gostar aprendido e construído. O que não pode faltar é a disposição para investir nessa construção afetiva. É criar uma base de confiança e de aceitação do outro com sua bagagem e com sua história de vida. Isso implica até o nome desse filho ou dessa filha.

QUAIS AS PRINCIPAIS CARÊNCIAS E DIFICULDADES ENFRENTADAS PELAS CRIANÇAS ADOTADAS TARDIAMENTE?
A criança mais velha se sente muitas vezes excluída e preterida nas relações familiares. É de extrema importância que a criança se sinta pertencendo à família. Que seja respeitada com a história. Ela já foi abandonada, portanto é muito fácil ela se fechar e não abrir espaço para a construção do vínculo. Cabe aos futuros pais, que são os adultos da relação, dar o primeiro passo na direção dessa construção.
O empresário Rafael Peixoto, com os filhos, Henrique, de 12 anos, e Daniela, de 10, irmãos adotados oficialmente em 2010: "Nem quis conhecer o histórico dos dois"
Fernando Melo e Débora Alves adotaram Levi em 2011, aos 6 anos: "Ser escolhida não tem preço", resume Débora, que prefere assegurar ao filho o direito de não se expor
http://sites.correioweb.com.br/app/noticia/encontro/revista/2013/08/26/interna_revista,803/por-que-so-bebes.shtml

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