segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Filhos do crack: famílias despedaçadas pela droga

  • Nos últimos nove meses, 227 gestantes viciadas nas ‘pedras da morte’ tiveram bebês em unidades do município
  • Abrigos para crianças viraram verdadeiros depósitos, diz juíza
Vera Araújo (Email)
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Filha de pais viciados, bebê está internada em abrigo Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo
Filha de pais viciados, bebê está internada em abrigo Domingos Peixoto / Agência O Globo
RIO - Quem vê X., de cinco meses, sorrindo e esperneando num bercinho com um móbile colorido, não imagina o triste e longo histórico de seu prontuário. A menina, que pesa apenas três quilos, provavelmente, terá o mesmo destino que os três irmãos dela de 7, 4 e 2 anos: a adoção. As quatro crianças têm os mesmos pais, um casal de viciados em crack sem condições psicológicas de criá-los até o momento. Um outro irmão, de 12 anos, vive com uma avó. A mãe está internada numa clínica de doentes mentais, em decorrência do uso intensivo da droga. E o pai, mesmo morando numa cracolândia depois de ter sido despejado da casa onde morava, num bairro do subúrbio do Rio, em breves momentos de lucidez, ainda visita X na tentativa de não perder mais um filho.
Casos como a de X. são cada vez mais comuns nos abrigos do Rio, tanto da prefeitura quanto nos particulares. Na sexta-feira, das 42 crianças até 6 anos abrigadas numa unidade de atendimento, 27 eram filhos de viciados em crack. Num levantamento inédito em dez hospitais e maternidades do município, de janeiro até a última sexta-feira deste ano, 227 gestantes com histórico de crack deram à luz. O hospital onde há mais registros foi o Pedro II, em Santa Cruz, com 81 casos, seguido da Maternidade Maria Amélia Buarque de Hollanda, no Centro, com 40.
Ao constatar que a mãe é viciada em crack e não tem condições psicológicas de ficar com o recém-nascido, as assistentes sociais dos hospitais e maternidades fazem contato com o Conselho Tutelar para encaminhá-las à 1ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da capital para resolver sobre o destino da criança. Segundo a juíza titular Ivone Ferreira Caetano, nas últimas semanas, chegam, em média, três crianças por dia ao Juizado de Menores, filhos de pais viciados em crack, principalmente recém-nascidos abandonados.
Rede municipal sofre com superlotação, carecendo de mais
O aumento do número de bebês abandonados pelas mães dependentes de crack ou sem condições de cuidar dos recém-nascidos fez com que os abrigos no município ficassem superlotados. Num desabafo, a juíza titular da 1ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da capital, Ivone Ferreira Caetano, afirmou que os abrigos da prefeitura viraram verdadeiros depósitos de crianças. Apesar de não ter para onde mandá-los, ela diz que se vê obrigada a determinar que eles sejam abrigados nessas condições, mesmo que não sejam satisfatórias.
— Desde que vim para cá, em 2004, sinto a situação piorar. Há muito trabalho, muito sofrimento e, o que é pior, fico de mãos atadas. Não há estrutura suficiente para as crianças nos abrigos. Não há vagas para tanta demanda. A situação da criança no município é extremamente grave. É um verdadeiro caos, pois os abrigos viraram depósitos. Por incrível que pareça, as unidades particulares estão em melhores condições, como o Educandário Romão de Mattos Duarte, no Flamengo, e o Lar Luz e Amor, em Del Castilho — disse a juíza.
Para driblar a falta de vagas, Ivone não abre mão da autoridade de juíza para ordenar o acolhimento:
— Não posso levá-los para minha casa, nem pendurá-los nas minhas orelhas. Não posso deixá-los no vácuo. É muito grave esta situação. O Poder Público tem que ampliar a oferta de abrigos adequados, respeitando o Estatuto da Criança e do Adolescente — concluiu a juíza.
A Secretaria municipal de Desenvolvimento Social (SMDS), por meio de sua assessoria de imprensa, informou que a “lotação da rede pública para crianças de zero a 4 anos está diretamente ligada à diminuição da capacidade de atendimento em clínicas e abrigos particulares”. Segundo a secretaria, no ano passado, de um total de 49 crianças acolhidas nesta faixa etária, 43 foram de bebês com até 11 meses de vida. Destes, quase 50% (20 casos) tinham até um mês, sendo que 17 deles eram filhos de mães com dependência de crack. Em nota, a SMDS informou ainda que no próximo dia 11, com a reinauguração do abrigo Ana Carolina, em Ramos, o número de vagas passará de 12 para 25.
Localizado nas proximidades da maior cracolândia da cidade, a favela Nova Holanda, às margens da Avenida Brasil, em Bonsucesso, o Hospital Federal de Bonsucesso acaba no caminho de algumas gestantes viciadas em crack. Segundo um enfermeiro da unidade que pediu para não ser identificado, não há dúvidas de que houve um aumento de casos:
— São muitas moradores de rua, algumas com o agravante de serem portadoras do vírus HIV. Há histórias de mães que, ao amamentarem as crianças, acabam as deixando cair no chão, porque, sob efeito das drogas, adormecem. Os enfermeiros têm que ficar ao lado delas. Existem mães que abandonam os bebês e outras que querem levá-los a todo custo, sem qualquer condição psicológica. Estamos aprendendo a lidar com isso.
A titular da Coordenadoria de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da Defensoria Pública, Eufrásia Souza, defende que alguns casos não são de acolhimento, mas sim de reintegração do bebê à família, o que acabaria com a superlotação nos abrigos.

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