quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

DEVOLUÇÃO TEM PERDÃO, NA ADOÇÃO?






A felicidade da criança e do adolescente é o foco do trabalho de todo o Sistema de Garantia de Direitos - SGD, do qual fazem parte os Grupos de Apoio à Adoção (GAAs). Entretanto, não se pode esquecer, jamais, de que, para serem felizes, as crianças e os adolescentes precisam conviver com adultos felizes e, muitas vezes, na ânsia de defender os direitos dos filhos, esquece-se de pensar nos seus pais, que são seres humanos, com todas as fragilidades decorrentes disso. 

Um dos temas mais abordados na atualidade é a chamada "devolução de crianças" e tenho percebido que, em muitas das discussões, envereda-se por um caminho que, ao invés de favorecer as crianças e adolescentes, prejudica-as, consideravelmente, na medida em que, somente se analisa a questão pelo aspecto da emoção, desconsiderando-se a razão.

Pelo que tenho estudado a respeito e pelas experiências que vivi, cheguei a conclusão de que estão certos aqueles que afirmam que a maior causa desse problema é a falta de preparação dos adotantes, mas, preciso complementar que, não apenas deles, mas, de todos os recursos humanos que participam do processo de adoção.

Muitos pretendentes nos procuram para tirar dúvidas porque não sabem diferenciar o que é Período de Aproximação, Estágio de Convivência, Guarda Provisória, Etapas Extra Judicial e Judicial da Adoção, etc. Alguns chegam assustados por terem sido informados que, caso o Estágio de Convivência não seja exitoso, eles terão cometido um crime e não poderão, nunca mais adotar, etc.

A título de contribuição, segue, abaixo, uma descrição das etapas a serem seguidas no processo de adoção, após o encontro do pretendente habilitado com a criança ou adolescente a ser adotada, com alguns comentários que, possivelmente, serão polêmicos, mas, que precisam ser encarados e discutidos:

a) Período de Aproximação é uma fase em que o pretendente busca conquistar a simpatia da criança e permite que ela o conheça, melhor, através de visitas, passeios, finais de semana, etc. O pretendente não deve ser apresentado à criança como tal e, sim, como mais um amigo e tudo deve acontecer com muita naturalidade, numa relação de conquista e amizade (em João Pessoa, o GEAD-JP promove eventos específicos para promover o primeiro encontro entre os pretendentes, que nele se preparam e as crianças e adolescentes que estão apta(o)s à adoção, de modo discreto e agradável);

b) Se tudo transcorrer bem, no período de aproximação, o pretendente solicita à Vara da Infância o Termo de Guarda Provisória para Fins de Adoção, de posse do qual, poderá iniciar o Estágio de Convivência, propriamente dito, porque a criança passará a morar com o pretendente, com o acompanhamento da Vara, sendo o apoio de um GAA fundamental nessa fase. O pretendente, de posse do Termo de Guarda, deverá dar entrada na licença maternidade e salário maternidade para ter mais tempo e condições de se dedicar à criança nessa fase tão delicada de adaptação e fortalecimento de vínculos. 

O Termo de Guarda fica sendo renovado (geralmente, a cada três meses). Defendo que, nessa fase, deve-se ser explicado para a criança, que ela está indo morar com aquela família, para conhecer, melhor, o seu jeito de viver, os seus parentes, como um(a) afilhada(o), para que ela possa decidir se gostaria de ficar morando com ela. Não aconselho que se passe a utilizar, ainda, o vocativo de filho ou filha e que se encare, com naturalidade, as dificuldades em atender às indagações da Escola e da Comunidade, querendo que se confirme se aquela criança é seu filho. 

No percurso do estágio a guarda provisória poderá ser revogada (extinta) por recomendação da Vara de Infância ou a pedido do próprio pretendente ou da criança (aqui, em João Pessoa, já tivemos casos em que foi a criança quem pediu para voltar a morar na instituição, recusando-se a ficar na família adotiva).

No caso de levantada a possibilidade de revogação da guarda, sugiro que sejam tomadas as seguintes providências:

b.1.) Seja trabalhada a possibilidade da família e/ou da criança estarem passando por uma crise existencial, necessitando, apenas, de um apoio para superarem suas angústias e ajudá-los a refletir sobre a possibilidade de retornarem a uma convivência saudável;

b.2.) Uma preparação psicológica da criança e dos membros da família, caso conclua-se pelo desligamento da criança, da família, e retorno à instituição, sempre primando pela preservação da auto-estima da criança. Ela não deve sair do processo considerando-se culpada ou inferior a qualquer outra criança que ainda não tenha ido "morar" com "padrinhos" e retornado à instituição (aí se percebe a importância de não ter sido utilizado o vocativo "filh@");

b.3.) Jamais ser utilizado o termo DEVOLUÇÂO, porque esse termo objetifica as crianças e adolescentes. comparando-os a mercadorias que foram devolvidas a uma loja, por apresentar defeitos. O termo correto é DESISTÊNCIA DA ADOÇÃO e a criança "conviveu um tempo com uns padrinhos, mas, voltou a morar na instituição" (jamais utilizar as expressões "foi adotada e devolvida", para a criança e "adotou e devolveu", para o pretendente, as quais rotulam e traumatizam os envolvidos). 
Caberá ao Juiz determinar as responsabilidades do pretendente, nessa fase de revogação da guarda, como financiar o apoio psicológico à criança, etc. 
Se não houve uma má conduta do pretendente, ele poderá retornar à lista do Cadastro Nacional de Adoção e continuar a pleitear uma adoção.

c) Se tudo transcorrer bem, no Estágio de Convivência, o pretendente deverá formular, em Cartório, o pedido específico de adoção, através de um Defensor Público (aqui em João Pessoa o Cartório funciona da própria Vara). Aí terá terminado a Fase Extrajudicial e começado o Processo Jurídico da Adoção, propriamente dito. O processo é todo gratuito. Caso o pretendente prefira, pode dar entrada no pedido através de um Advogado Particular. 

d) Se tudo transcorrer bem, ou seja, se a equipe técnica da Vara der um laudo favorável à adoção e se o Juiz deferir o pedido na Audiência de Adoção, a criança passará à condição legal de filho ou filha da nova família e o Juiz determinará a lavratura de um novo Registro de Nascimento da criança, com os sobrenomes dos novos pais (até o prenome da criança poderá ser mudado, se considerado favorável, para a mesma, ou ao seu pedido). A adoção é irrevogável e, a partir daí, a família passará a ser detentora do Poder Familiar da criança, assumindo todos os direitos e deveres inerentes a quaisquer pais biológicos.

Caso, um dia, aquele pai adotivo não queira mais ser responsável pela proteção do seu filho, terá que dar entrada num processo jurídico para pedir a sua própria Destituição de Poder Familiar (DPF), como pode fazer qualquer pai biológico, e caberá ao Juiz decidir se é melhor para a criança continuar a viver sob o poder daqueles pais, que não a querem, ou voltar a viver numa instituição de acolhimento e ter a chance de encontrar uma nova família (que a queira). Nessa situação, sugiro que sejam tomadas as seguintes providências, as quais, são bem parecidas com as sugeridas para o caso de revogação de guarda:

d.1.) Seja trabalhada a possibilidade da família e/o a criança estarem passando por uma crise existencial ou comportamental, necessitando, apenas, de um apoio, ou mesmo tratamento psicológico/psiquiátrico, para superarem as suas carências e angústias e ajudá-los a retornarem a uma convivência saudável;

d.2.) Uma preparação psicológica da criança e dos membros da família, para o desligamento da criança e retorno à instituição, sempre primando pela preservação da auto-estima da criança, que não deve sair do processo considerando-se culpada ou inferior a qualquer outra criança que não foi adotada e teve que voltar a viver na instituição;

d.3.) Jamais ser utilizado o termo DEVOLUÇÂO, porque crianças e adolescentes não são mercadorias que se devolvem à loja quando apresentam defeitos. O termo correto, nesse caso, é "ENTREGA  DO FILHO AO PODER JUDICIÁRIO" e a criança "teve que sair da família e voltar a morar na instituição" (jamais utilizar a expressão "devolvida", para a criança e "devolvedor" para o pai adotivo, a qual rotula e traumatiza os envolvidos). São pais e filhos que viveram um conflito, de tal monta, que culminou com a destituição do poder familiar, dos pais e entrega do filho à guarda do Estado.

Caberá ao Juiz determinar as responsabilidades dos pais (adotivos ou biológicos), que entreguem seus filhos ao poder judiciário e sejam destituídos do poder familiar (como dar ao filho uma indenização, financiar  apoio psicológico, passar a pagar uma pensão, etc.).

No caso da mãe biológica que entrega o filho ao poder judiciário, ainda bebê, geralmente, não lhe é imposta nenhuma obrigação, porque ele será quase que, imediatamente, encaminhado para uma nova família mas, no caso de filhos maiores, para os quais será difícil encontrar uma nova família, geralmente, são impostas algumas penalidades.

Se for considerado que não houve uma má conduta de um determinado adotante que pediu a sua própria DPF e entregou o filho para a guarda do Estado, tendo ele cumprido todas as determinações do poder judiciário, terá direito a pleitear uma nova habilitação no Cadastro Nacional de Adoção (CNA) para adoção, cabendo à equipe técnica da Vara de Infância aprovar ou reprovar o seu pedido.

O mais importante, em todo o processo de adoção, é não descuidar do seu caráter humanitário e buscar, sempre, a ponderação e a reflexão, antes da tomada das decisões, sendo, valiosa, a contribuição dos Grupos de Apoio à Adoção nessa caminhada.


Lenilde Cordeiro Gonçalves
Presidente do GEAD-JP

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