sábado, 28 de junho de 2014

ADOÇÃO E CRIME = CRIME E ADOÇÃO


03.06.2014
Paulo Wanzeller
Mais uma vez espalha-se pela imprensa de forma impiedosa a desmoralização do instituto da adoção. Todos os dias, em algum lugar do Brasil, quiçá em outros países, algum jornalista desavisado ou sem compromisso com a causa, utilizar-se da adoção como forma de atrair audiência e curiosos. Não canso de me abismar e de “falar” sobre isso! A proposta é discutir o assunto.
Muito já se debateu sobre a prática de relacionar crime e adoção, não se conseguirá proibir o direito à livre informação, não é esse o caso, nem a leitura de manchetes sensacionalistas que tem a adoção como pano de fundo, devem provocar ódio ou revolta nas famílias, é perda de tempo; deixar-se levar por informações irresponsáveis sobre a adoção pode causar danos à saúde, descrença na própria convivência familiar e desequilíbrio de ideias.
Em 2012, representantes de veículos de comunicação de Jaboticabal, Barrinha, Taiaçu e Taiúva, cidades do Estado de São Paulo, o Jornal Cidades e a rádio comunitária Nova FM e outras entidades do ramo deram um exemplo de cidadania assinando um termo de compromisso pela ética na abordagem do tema adoção.
O objetivo do termo era provocar uma discussão sobre o tema da adoção, para que os órgãos de imprensa repensassem-no evitando o tratamento leviano com intuito de sensacionalismo. A decisão de firmar o Termo teve o apoio do Juiz da Infância da Criança e do adolescente e de diversas entidades.
Ao final transcrevo o termo de compromisso pela ética na abordagem do tema adoção para melhor reflexão...
Se no interior de São Paulo tem início a conscientização quanto abordagem ética do instituto da adoção pela imprensa, no restante do Brasil não é bem assim.
Mas não devemos ficar calados ou fazer de conta que tais notícias não nos atingem.
O fato é que um bom jornalista, aquele que pesquisa, que quer prestar um serviço de ético e de qualidade à sociedade, não se utiliza de linguagem preconceituosa, não usa palavras chulas e nem se desvincula do seu papel. É sobretudo ético, compromissado com a informação simples, correta e verdadeira.
Como não é a minha área de atuação, procurei na internet pelo Código de Ética do Jornalismo e me surpreendi. Existe sim um Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros que vigora há mais de 20 anos, e que, segundo site da Federação de Nacional dos Jornalistas, foi atualizado/alterado em 2008 no Congresso Extraordinário dos Jornalistas, realizado em Vitória por delegações de vinte e três estados da federação.
Basta uma lida superficial no tal código de ética, para constatar que é sim dever do jornalista a responsabilidade sobre o que escreve e a repercussão disso.
Só para citar um exemplo: O jornalista não pode divulgar informações de caráter mórbido, sensacionalista ou contrário aos valores humanos, especialmente em cobertura de crimes e acidentes diz o art. 11. II.
Quando se expõe um crime e o relaciona com a adoção, não se está restringindo a notícia àquele caso específico, atinge-se milhares de famílias formadas pelos laços da adoção, além de influenciar negativamente aqueles que pretendem adotar.
A repercussão negativa da informação tem influência na responsabilidade de quem escreve. É preciso separar o joio do trigo. Família é o representativo de felicidade; formadas de diversas maneiras, naturais, adotivas, monoparentais, homoafetivas, socioafetiva, mas não se pode ignorar que o relacionamento humano implica em possibilidades de desajustes e de consequências nem sempre desejadas. Não é a adoção que causa o desajuste, o desequilíbrio ou a falta de harmonia familiar.
Há filhos adotivos que possuem maior ou menor capacidade de resiliência. Alguns sequer desejam conhecer a família biológica outros a conhecem e não se identificam com ela e outros querem manter convivência com a sua origem e há casos de filhos adotivos que promovem a união entre as duas famílias adotiva e biológica. É preciso entendê-los. Existem também os que se revoltam, por terem sido abandonados, por não terem sido acolhidos pelas famílias biológicas ou por terem sido entregues à adoção.
Existem famílias adotivas extremadamente afetuosas existem famílias adotivas que não se entendem.
Dos exemplos acima alguém se atreve a defender que a adoção é o principal motivo para que a família não seja harmoniosa e que somente nela acorrem crimes? Para fazer isso é preciso comprovar por A + B que as famílias estritamente formadas pelos laços da genética têm 100% de chance de se manter incólumes a quaisquer tipos de desajuste familiar. Ninguém se atreveria a tal asneira.
Se assim não fosse frequentemente existiriam manchetes do tipo “FILHO BIOLÓGICO MATA O PAI ...”.
Qual a razão para relacionar o crime à adoção nestes casos? A única explicação que me parece possível é o preconceito. A ideia de que a adoção é meramente acolher ou criar “filhos dos outros” e que esse ato só pode resultar em crime, em infelicidades em desrespeito em desamor. É exatamente essa ideia que querem passar à sociedade. Isso sem esquecer de que não é raro quando o crime ocorre na família adotiva, a “matéria jornalística” faz um histórico da vida do assassino contando que foi adotado em tenra idade, etc., para um jornalismo sensacionalista é um “prato cheio.”
Um jornalismo ético e comprometido com valores e direitos humanos não pensa nem escreve assim, não relaciona subliminarmente de forma irresponsável a formação familiar adotiva com o crime.
Não nos deixemos influenciar pelo péssimo jornalismo. Que esta e muitas outras repercussões negativas sirvam apenas de estímulo para que continuemos a lutar pelo direito de crianças e adolescentes a viver e desenvolver-se em uma família.
Site da FENAJ: (http://www.fenaj.org.br/materia.php?id=1811
Infelizmente as matérias sensacionalistas pululam na internet, vejam abaixo.
-MULHER QUE MATOU A MÃE ADOTIVA VAI PARA O MADRE PELLETIER, NA CAPITAL
Rádio Guaíba
A Polícia Civil prendeu, na noite desta segunda-feira, a mulher que assumiu ter matado a mãe adotiva na sexta-feira, em Porto Alegre. Fernanda ...
-IDENTIFICADA IDOSA MORTA PELA FILHA ADOTIVA EM PORTO ALEGRE
Rádio Guaíba
A Polícia Civil divulgou, no início da manhã desta segunda-feira, a identidade de uma idosa morta a facadas pela filha adotiva, ainda na sexta-feira, ...
-IDOSA CADEIRANTE É MORTA EM APARTAMENTO A FACADAS PELA FILHA ADOTIVA
O Jornal de Hoje
Uma idosa foi morta a facadas pela filha adotiva, em um prédio na rua Duque de Caxias, no centro de Porto Alegre. De acordo com a Polícia Civil, ...
-JOVEM CONFESSA QUE MATOU MÃE ADOTIVA À FACADAS EM PORTO ALEGRE
PasseiAki
Uma jovem de 19 anos acionou a polícia para confessar que assassinou sua mãe adotiva, de 68 anos. Ela confessou que cometeu o crime com uma ...
-JOVEM SUSPEITA DE MATAR COM FACADA MÃE ADOTIVA É PRESA EM PORTO ALEGRE
Portal ITZ
Polícia Civil pediu prisão temporária de mulher que confessou crime. Namorado convenceu jovem a se entregar na noite do último domingo (1).-

COMPROMISSO PELA ÉTICA NA ABORDAGEM DO TEMA ADOÇÃO (ART. 39 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - ECA)
Jaboticabal, SP, em 16 de Março de
Nós, representantes de veículos de comunicação de Jaboticabal, Barrinha, Taiaçu e Taiúva(cidades do Estado de São Paulo/Brasil) com o objetivo de utilizarmos da poderosa ferramenta de divulgação de informação de massa de forma a dar a ela uma finalidade útil e não somente de apelo comercial, viemos, por meio deste abaixo assinado, propor uma reflexão e a assunção de um compromisso formal técnico quanto a abordagem do tema ADOÇÃO em suas infinitas possibilidades de desenvolvimento de pautas em todos os meios de comunicação em que possamos atuar.
A iniciativa parte do princípio de que, como poderoso instrumento de influência da população, os meios de comunicação de massa podem se transformar em estímulo à mudança das estatísticas que expõem as dificuldades do Brasil em construir a cultura da adoção. Conforme dados do Conselho Nacional de Justiça - CNJ(in Notícias-CNJ-21/12/2011 - www.cnj.jus.br
) a maioria das crianças aptas à adoção tem mais de sete anos; porém, a maior parte das pessoas inscritas no cadastro de pretendentes à adoção tem preferência por crianças entre um e dois anos de idade. Portanto, há urgência na necessária quebra dos mitos e fantasias que cercam a adoção de crianças maiores (ou seja, acima de três e quatro anos) ou adolescentes na medida em que muitas pessoas pensam erroneamente que a criança mais velha traz consigo a herança de comportamentos desastrosos de seus pais biológicos (ex: drogadição, violência, criminalidade). Em nossa vivência profissional, ao acompanharmos os trabalhos das equipes de diversas entidades e instituições ligadas aos processos de adoção (Programa de Acolhimento Institucional; Grupos de Apoio à Adoção; Vara da Infância e Juventude; Ministério Público, e outros) tomamos consciência do quanto o preconceito culturalmente cristalizado por usos e costumes da nossa sociedade são transferidos muitas vezes para o desenvolvimento das pautas jornalísticas, causando retrocessos, rupturas e desmantelo de construções de laços de afetividade e aproximação de pais e filhos que poderiam adotar-se mutuamente.
Cada ruptura dessas faz voltar à estaca zero o investimento imensurável de horas de trabalho, conhecimento e de atuação de profissionais especializados na área da infância e juventude, esforços conjuntos e tempo, muito tempo, aliás, irrecuperável.
O preconceito com respeito à adoção faz confundir o compromisso entre pais e filhos - de mão dupla - com uma equivocada ação caritativa. Impregnada desse conceito enfermo, a palavra "ADOÇÃO" ou as palavras "FILHO ADOTIVO" são continuamente utilizadas sem o devido cuidado (na maioria das vezes pela mera repetição da prática do dia a dia) transformando-se em verdadeira forma pejorativa em textos e matérias em toda a mídia.
A questão se torna ainda mais grave quando as palavras tomam destaque em pautas que divulgam crimes atrelando a ação criminosa ao fato da criança, jovem ou adulto ter sido um "filho adotivo", o que caracterizaria de forma indireta uma "ingratidão" pela "caridade" de ter sido adotado, contribuindo para uma visão preconceituosa deste tema.
Neste contexto, casais ou pessoas inicialmente inclinadas à adoção (assim como seus familiares) terminam envolvidas por esse discurso que na maioria das vezes conduz a uma interpretação preconceituosa e pejorativa, declinando de sua potencialidade em adotar, especialmente em relação às crianças maiores ou adolescentes. O resultado é o aumento do número de crianças e adolescentes em abrigos sem a chance de serem educadas numa família onde teriam também a chance de ensinar a amar para serem amados: afinal, o amor é adotivo!
Após esta reflexão, e tendo a consciência do poder que a imprensa tem e sabendo do quanto podemos utilizá-la de forma útil, colaborando para a expressão do bem na sociedade, propomos o seguinte:
1º) Que nós, como autores do que é divulgado na imprensa, reconstruamos em nós o conceito da PALAVRA ADOÇÃO dando a ela o significado da relação pais e filhos tão somente. E essa relação independe da consanguinidade;
2º) Que, a partir da internalização deste conceito em nós, tratemos os filhos como filhos, já que, terminado o processo de adoção, a adoção em si já foi finalizada. E , por esse motivo, O FILHO É APENAS... FILHO! (ressalte-se que a lei não permite qualquer observação do vínculo adotivo na nova ceridão de nascimento expedida - art.47, 4º. do ECA);
3º) Que, a exemplo de outros termos que, por força de lei ou mesmo por tratos cordiais no meio da imprensa, deixaram de ser utilizados, acordamos neste documento que as PALAVRAS "ADOÇÃO" ou "FILHO ADOTIVO" não sejam utilizados como isca de atração para matérias especialmente as que tratam de crimes.
Tendo em vista todas essas questões, nós abaixo assinados estamos de acordo e assumimos este compromisso ético profissional, com o apoio e reconhecimento de vários integrantes da Rede Social de Proteção dos Direitos da Criança e do Adolescente.

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