segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

CADEIRANTE CRIADO EM ABRIGO FESTEJA NATAL DEPOIS DE ADOTADO (reprodução)

25.12.2015
Gustavo Werneck
Conheça a história de Pablo, o menino que deixou um abrigo em BH para ser apadrinhado em uma noite natalina e neste ano pela primeira vez vai celebrar a passagem de Papai Noel com seu maior presente: o novo sobrenome definitivo.
O sonho de Pablo Henrique sempre foi dormir numa cama só dele. Há algum tempo, ganhou uma de presente, toda feita à mão, no maior capricho. Mas, bem lá no fundo do peito, o menino de 10 anos guardava um segredo: o desejo maior de fazer parte de uma família, dessas que se unem nas comemorações, riem por qualquer motivo e fazem a festa da vida. Pois neste Natal o garoto de olhos negros enormes, mais parecidos com duas jabuticabas, celebra pela primeira vez o nascimento de Jesus com o sonho completo, realizado em forma de afeto: casa, aconchego, brinquedos enviados pelo Papai Noel, no qual acredita piamente, beijos sinceros e o sobrenome “Lemos”. Essa última parte enche a voz de Pablo de alegria.
“Ganhei uma família de presente”, resume ele, agora legalmente Pablo Henrique Lemos, ao lado de Maria José Lemos, de 59, solteira, que o adotou oficialmente há seis meses, depois de ser sua madrinha no Programa de Apadrinhamento Afetivo, fruto da parceria entre o Centro de Voluntariado de Apoio ao Menor (Cevam) e o Juizado da Infância e Juventude. Antes da adoção, Pablo morava em um abrigo da capital, situação que atualmente é compartilhada por pelo menos 4,2 mil crianças em Minas. Desse total, 700 estão juridicamente aptas a realizar o mesmo sonho que o menino, 105 delas em Belo Horizonte.
Maria José nunca namorou, nem pensou em ter filhos, mas na casa do Bairro Água Branca, em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, mostra a extensão do amor de mãe. “Pablo uniu nossa família. Todo mundo passou a se sentar à mesa, a conversar mais. Se lhe demos um lar, ele nos trouxe a felicidade”, conta, com emoção, ao lado da irmã Maria Emília, de 56, também solteira. Nos fins de semana, a casa se enche de irmãos, sobrinhos e primos, cada um devotando mais atenção ao garoto.
“Ser mãe é muito bom! Hoje me sinto a pessoa mais feliz do mundo. Fiquei órfã de mãe muito cedo, numa família de nove irmãos. Cuidei de oito e eduquei quatro, ajudando muito meu pai, viúvo aos 42 anos”, recorda, enquanto olha o porta-retratos do filho emoldurado pelas palavras “Te amo”. Sentado na cadeira de rodas, o menino, que é portador de um mal congênito que impede a locomoção, sorri baixinho para, logo em seguida, receber um beijo carinhoso das duas mulheres. “O único problema com filho é na hora de repreender, mas eu chamo a atenção, vou à escola se a professora pede, enfim, faço tudo”, afirma Maria José, que trabalha em serviços gerais.
Quando ela dá voz mais uma vez ao seu coração solidário, anunciando que a casa terá mais uma companhia para este Natal, o menino lança um olhar de ciúme, levantando a sobrancelha. Ela reage com bom humor. E explica que, ontem, foi ao Cevam, no Centro da capital, e depois a um abrigo, para dar as boas-vindas a uma menina de 12 anos, também cadeirante, que compartilhará a festa com a família no Bairro Água Branca, onde todos nasceram e foram criados. “Estou feliz e tenho certeza de que meu filho vai recebê-la de braços abertos. O sol tem que brilhar para todos. Este Natal é especial, pois é primeiro em que ele tem o registro com o nosso sobrenome”, ressalta.
Logo em seguida, em um instante em que Pablo sai da sala, Maria José pega ao lado da árvore de Natal uma carta “escrita” pelo Papai Noel, em uma folha verde. “Nela está registrada a mensagem do bom velhinho para o meu filho. Todos os parentes, vizinhos e amigos gostam muito do Pablo. Ele conquistou todos, tanto que o namorado da minha sobrinha, ao saber da vontade dele de ter uma cama, fez questão de fazer uma novinha.” No quarto com muitos brinquedos, o menino dedilha o violão – “ainda não sei tocar”, entrega, com sinceridade – e, mesmo com as limitações, desce da cadeira de rodas e se senta no skate: “Este é o terceiro, e ele sabe andar direitinho, movimentando com as mãos. Mas só dentro de casa...”, diz a mãe, zelosa.
PADRINHOS
A terça-feira foi movimentada na sede do Cevam, em Belo Horizonte, com muitos padrinhos e madrinhas cadastrados passando por lá para, na sequência, buscar meninos e meninos em abrigos. O objetivo: celebrar o Natal e o Ano-Novo com as crianças. Presidente dessa organização não-governamental, o advogado Ananias Neves Ferreira, que também está à frente do Conselho Estadual da Criança e do Adolescente de Minas Gerais, informa que a expectativa é de crescimento expressivo no número de crianças e adolescente de 4 a 17 anos acolhidos em lares de BH neste Natal, passando de 200 para 350 meninos e meninas. Ao longo dos anos, centenas dessas histórias terminaram em adoção.
Quem está feliz da vida com a experiência é o empresário Silas Pedro de Carvalho, de 52 anos, divorciado, pai de três adolescentes, sendo a caçula Francielle Alessandra, de 16. “Minha filha se considera a madrinha”, brinca Silas, ao abraçar um simpático menino de 12 anos que vive em um abrigo e passará o período de festas em companhia da família. Na tarde de quarta-feira, de posse da autorização judiciária para levá-lo por dois dias para Teófilo Otoni, no Vale do Mucuri, Silas contou que o garoto vai viajar pela primeira vez de avião.
Os olhos do menino brilharam, ele abriu os braços como se fossem asas e partiu para o abraço bem apertado nos padrinhos. O avião, de propriedade de Silas e pilotado por ele mesmo, foi visitado na Pampulha pelo garoto, que já definiu seu futuro: “Vou ser piloto”, revela, sem pestanejar. A exemplo de Pablo Henrique Lemos, ele também está feliz por ganhar uma família de presente este ano. “Vai ser uma experiência nova para todos nós”, acredita Francielle, entusiasmada por mais esse motivo de alegria no Natal. “Será realmente uma noite feliz”, resume.
TRÊS PERGUNTAS PARA...
ANANIAS NEVES FERREIRA, PRESIDENTE DO CENTRO DE VOLUNTARIADO DE APOIO AO MENOR (CEVAM)
1 - COMO ATUA O CEVAM?
Trata-se de uma organização não-governamental, que vai completar 30 anos de fundação em 2016. O objetivo é fazer com que voluntários acolham afetivamente as crianças institucionalizadas, convivendo com elas por um período. Esse trabalho evoluiu para o apadrinhamento, que ocorre durante todo o ano, mas tem crescimento no Natal.
2 - COMO É FEITO O APADRINHAMENTO?
O Programa de Apadrinhamento Afetivo começou em 1999 e tem parceria com o Juizado da Infância e Juventude. As pessoas interessadas, que não precisam ser casais, se cadastram para passar o período natalino, de 24 de dezembro a 4 de janeiro, com as crianças na faixa de 4 a 17 anos e 6 meses. Os padrinhos devem ter pelo menos mais de 10 anos acima da idade dos meninos e meninas.
3 - QUAIS OS RESULTADOS?
Muitos apadrinhamentos já evoluíram para adoção das crianças, embora o foco não seja este. As crianças têm noção da importância de uma família e o mais importante é o afeto, os laços culturais que se formam, fortalecer as relações afetivas. Em Belo Horizonte, há de 700 a 800 crianças em abrigos, sendo um terço desse total com até 4 anos de idade.

Original disponível em: http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2015/12/25/interna_gerais,720117/cadeirante-criado-em-abrigo-festa-natal-depois-de-adotado.shtml


Reproduzido por: Lucas H.

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