segunda-feira, 7 de março de 2016

ADOÇÕES DE CRIANÇAS EM CIDADE DO RS SÃO INVESTIGADAS POR POLÍCIA E MP (Reprodução)

07/03/2016
Fábio Almeida
Da RBS TV
Mães reclamam de como tiveram os filhos levados e adotados por outros. Casos são investigados em segredo de justiça por envolver menores.
A Assistência Social e o Conselho Tutelar da cidade de Riozinho, no Vale do Paranhana, estão sendo investigados pela Polícia Civil e Ministério Público pela forma como foram feitas as retiradas da guarda de crianças de famílias humildes do município. Mães reclamam da maneira como tiveram seus filhos levados de casa e adotados por outras famílias. A situação foi denunciada (veja na reportagem acima).
“Eu perdi dois filhos, não houve processo nenhum”, diz a calçadista Cristina Rosângela Souza.
A psicóloga da prefeitura de Riozinho está afastada, e escondida, em outra cidade, porque recebeu ameaças depois de fazer a denúncia sobre o caso. Mas, quando ainda trabalhava, diz ter presenciado várias situações suspeitas.
“Eu cheguei no município para trabalhar em 2014, no mês de agosto, e logo que eu cheguei lá, algumas coisas me chamaram a atenção. E uma delas foi a questão relacionada à adoção, embora, quando comecei a trabalhar lá, a incidência disso já não era tão intensa. Mas o método me chamou a atenção, porque a primeira coisa que eu percebi era que a estratégia de retirada da criança ela era muito rápida”, conta Venilse Oliveira.
O presidente da Associação dos Conselheiros Tutelares do estado explica que tirar uma criança do convívio com a família deveria ser a última medida a ser tomada.
“O que causou estranheza em alguns processos que eu acabei olhando é que as crianças foram retiradas da família direto para abrigos, e outras para famílias substitutas. E o que a gente não conseguiu achar, pelo menos nos documentos do conselho tutelar de Riozinho, foi que tivesse sido feito alguma outra coisa, tivesse sido achada a família extensa, a própria família natural, pra tentar manter”, pontua Rodrigo Faria dos Reis.
Eu perdi dois filhos. Não houve processo nenhum" Cristina Rosângela Souza
“Hoje eu sei, antes eu não sabia. Eles tinham que ter procurado primeiro a minha família, pra ver se a minha família queria e teria condições de criar minhas crianças ou não. Eu tenho um irmão, uma irmã, minha mãe, todos eles em boas condições, que poderiam ter criado meus filhos”, relata a mulher.
Ela conta que, na época, o Conselho Tutelar alegou que ela não tinha condições financeiras de criar as crianças. O caso de Cristina é um dos investigados pelo Ministério Público, que reforça que a retirada das crianças das famílias deveria ser exceção, e nunca provocada pela falta de dinheiro dos pais.
“É necessário que a rede de atendimento invista para tentar solucionar o problema, somente após o problema ter sido tentado várias formas ser solucionado e não se ter conseguido solucioná-lo é que se pode pensar no caso extremo de suspensão de poder familiar, destituição do poder familiar, abrigamento em famílias substituta”, sustenta o promotor Leonardo Giardin de Souza. “ E em tudo isso é muito importante ficar muito claro que a situação de pobreza e vulnerabilidade social não pressupõe que a pessoa não tenha condições de criar os seus filhos”, acrescenta ele.
O promotor está trabalhando no levantamento de quantas crianças foram retiradas de suas famílias nos últimos anos em Riozinho, mas ainda não pode revelar, para não atrapalhar as investigações. A reportagem da RBS TV conseguiu localizar pais que reclamam que tiveram 26 crianças levadas nos últimos 15 anos.
Porém, a psicóloga que fez a denúncia garante que são mais. “Eu fiz uma pesquisa sobre isso, que eu tive acesso, em 35 e 40 crianças. Uma média de 15 famílias e essa quantia de crianças. Tem famílias que perderam quatro, que perderam três, que perderam dois. Teve uma família que perdeu sete”.
ADVOGADA TAMBÉM VÊ IRREGULARIDADES
A advogada Mara Rozane Sarquiz, que representa algumas famílias, também denuncia irregularidades, tanto na retirada quanto nas adoções das crianças. Ela diz que todos os processos seguem um padrão.
“Há a denúncia, ou a mãe é louca ou é drogada, fica internada em algum hospital em Taquara ou em outra instituição psiquiátrica, alegando que ela não tem condições de criar, que são os maus tratos. E aí a vida dessa família é dilacerada de uma forma assim. Se transforma em um filme de terror e aí tiram as crianças, colocam num asilo, dali a alguns dias, muitos nem chegam meses, em pouco tempo, algumas crianças já têm um padrinho, já tem um destino”, afirma.
A agricultora Daniela da Silva conta que teve seus três filhos levados pelo Conselho Tutelar. A alegação, na época, foi que ela era viciada em drogas.
“Na época que pegaram minhas crianças já fazia quatro anos que eu havia parado de usar drogas. Já fazia quatro anos! Não me apresentaram nenhum papel, nenhum documento, nada, nada. Nenhum papel pra buscar eles lá”, reclama.
AGILIDADE EM PROCESSOS DE RIOZINHO TAMBÉM CHAMA ATENÇÃO
O Tribunal de Justiça do estado não tem números de adoções separados por municípios, apenas por comarcas, que reúnem várias cidades. Na de Taquara, que inclui Riozinho, 87 crianças foram adotadas nos últimos 10 anos - é mais que o dobro do número de adoções que aconteceram, por exemplo, na comarca de Sapiranga, onde foram 38, que a Justiça considera equivalente à de Taquara.
“O que causa estranheza é uma cidade tão pequena em número de habitantes, quatro mil habitantes, ter uma quantidade tão grande de retirada de crianças de casa”, pondera o presidente da Associação dos Conselheiros Tutelares do estado, Rodrigo Faria dos Reis.
Além dos números, a rapidez com que os processos de adoção acontecem em Riozinho também chama a atenção. “Chama a atenção essa agilidade, o que deveria ser praxe, mas não é. Essa agilidade demora bastante, até pelo cargo que eu ocupo hoje, eu conheço bem essa realidade, e a gente vê lá que foi muito rápido”, comenta.
No caso de Kátila de Oliveira, demorou menos de um dia, desde que ela decidiu doar a filha. Na época, a calçadista tinha 18 anos, enfrentava problemas de drogas na família e não tinha ajuda para criar a filha, de seis meses, ao mesmo tempo em que cuidava do filho, de pouco mais de um ano. Ela diz ter sido influenciada pela assistente social do município na decisão.
“Hoje eu sei que eu estava com depressão, eu ia lá e conversava com ela, e ela dizia pra mim: ‘Ai, Kátila, quem sabe tu não dá a tua guriazinha? Ela vai ganhar anel de ouro, ela vai ganhar vestidinho novo, ela vai ganhar tudo, tudo o que tu não vai ter condições de dar pra ela’”, relembra ela que na época concordou que seria a melhor solução.
Poucas horas depois, mudou de ideia. Mas aí a filha já estava nos braços de outra família. “Eu fui na prefeitura de manhã, e de tard, não estava com o neném nos braços. A juíza mandou esperar no corredor, já veio o casal, saiu o casal do elevador, uma mulher loira e um homem meio japonês alto. Ela tinha falado pra mim que eu ia poder ver, que eu ia ganhar foto, que eles iam mandar foto pra mim. E eu fui nessa, né”, diz.
Além do Ministério Público, a Polícia Civil também instaurou inquéritos para apurar esses e outros casos.
“Envolve sigilo de justiça, são casos que envolvem menores. Mas o que dá pra afirmar é que nós temos hoje sete casos, num primeiro momento. São fatos que, enfim, podem ter várias hipóteses que a gente está trabalhando. A gente não descarta nenhuma e estamos investigando”, indica a delegada Elisângela Melo Reghelin.
No Ministério Público, onde a investigação também corre em segredo de justiça, o promotor diz que os mesmos nomes são citados nos diferentes casos. “Todos os relatos têm uma coincidência de quem seriam os personagens, as pessoas que seriam envolvidas de maneira, segundo os relatos, ilícita. Existe, sim, uma similitude de atores nesses casos todos. Todos esses envolvem as mesmas pessoas”, afirma o promotor Leonardo Giardin de Souza.
A reportagem da RBS TV tentou contato com conselheiros tutelares que são investigados pelo Ministério Público e pela Polícia Civil. A conselheira tutelar Leila Regina Pandolfo não quis falar. Com o outro conselheiro investigado, Luis Fleck, que mora no Recife (PE), o contato por telefone não foi atendido. Por mensagem, ele disse que responderia perguntas por e-mail, mas até agora não houve resposta.
ASSISTENTE DIZ QUE CASOS FORAM ACOMPANHADOS
A assistente social do município, Ariadne Wagner, que também é investigada, garante que todos os casos foram acompanhados pelo Ministério Público e pela Justiça, e que os processos são legais.
“Uma vez vista reconhecida a situação de vulnerabilidade ou de risco ou de violência, foi levado ao conhecimento do Ministério Público e do Judiciário e com acompanhamento até então. Todos os casos, sem nenhuma exceção, tem a documentação, tem o registro e conhecimento do juiz”, confirma.
Na época, a responsável pelas decisões em Riozinho, era a juíza da Comarca de Taquara, Angela Martini, que não quis gravar entrevista e nem comentar o assunto.
Nas ruas de Riozinho, são muitos os boatos sobre o que estaria acontecendo na cidade. Mas a Polícia Civil e o Ministério Público ainda não chegaram a uma conclusão.
“O que nós podemos afirmar é que existem algumas situações nebulosas, sim, e existem situações que fogem do padrão de normalidade esperado dentro do que seria o procedimento correto a ser adotado nesses casos de destituição do poder familiar”, analisa o promotor.
“A gente não tem essa convicção ainda, mas não descartamos a hipótese de ter acontecido algum tipo de negociação”, pondera a delegada.


Original disponível em: http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2016/03/adocoes-de-criancas-em-cidade-do-rs-sao-investigadas-por-policia-e-mp.html

Reproduzido por: Lucas H.

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