quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Casais homoafetivos dão lição de amor em histórias de adoção (Repodução)

Por Fabiana Bertagnolli
Existem hoje no Brasil cerca de 5,5 mil crianças prontas para serem adotadas, segundo números do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). São meninos, meninas, bebês e adolescentes à espera de um recomeço e de uma nova chance de encontrar o amor que nunca tiveram em seus lares originais.

Felizmente, existem milhares de pessoas dispostas a mudar essa situação. Estima-se que cerca de 30 mil famílias aguardam na fila de espera para adotar uma criança. A disparidade entre o número de adoções disponíveis e a quantidade de casais dispostos a adotar é justificada, de acordo com o CNJ, pelo perfil buscado pelos adotantes: apenas um em cada quatro pretendentes adotaria crianças com quatro anos ou mais, enquanto apenas 4,1% dos que estão no cadastro do CNJ à espera de uma família têm menos de 4 anos.

Incompatibilidades à parte, o fato é que cada adoção é uma vitória. E, quando realizada por casais homoafetivos, é uma conquista em dobro. Esse é o caso do analista de sistemas Geraldo Maximiano de Paula, 39 anos, e seu companheiro, Nil Costa. Juntos há seis anos, eles celebram e compartilham o amor que os une com Breno, adotado quando tinha dois anos e seis meses.
“Pensava em adotar um criança desde os 30 anos, mas não tinha encontrado o parceiro certo. O desejo de ter um filho tem que estar muito além do relacionamento em si, tem que ser uma vontade pessoal, sobretudo em uma união homoafetiva. Muita gente acha lindo, mas existe, sim, o preconceito”, afirma de Paula.
Não existe um prazo mínimo para quem entra na fila de adoção - o processo pode durar tanto meses quanto anos. Condições socioeconômicas, estabilidade financeira, questões do relacionamento e emocionais são consideradas no processo de adoção. Pais e mães que desejam adotar passam por uma longa e exaustiva jornada que, no caso do analista de sistemas, durou exatamente o tempo de uma gestação.

“Demos entrada nos papéis e ficamos muito ansiosos, porque na nossa cabeça, por sermos um casal homoafetivo, não seríamos os primeiros a serem escolhidos para adotar uma criança”, explica de Paula. A preocupação tinha sentido: “nós fomos o segundo casal de homossexuais a adotar uma criança no Fórum do Jabaquara, sendo que o primeiro casal era de mulheres. Houve três casos de uniões homoafetivas que foram recusados antes da gente”, conta.
O começo de uma família
Nove meses após análises psicológicas e visitas de assistentes sociais, de Paula recebeu o aguardado telefonema que mudou a vida do casal para sempre. “Eles falaram: ‘tem uma criança para você’. A partir daí eu não ouvi mais nada, chorava e ria ao mesmo tempo”, emociona-se.
De um lado, pais ansiosos pelo encontro. De outro, uma criança apática que já havia sido rejeitada por outros casais. Foi esse cenário que de Paula e seu companheiro se depararam quando finalmente conheceram Breno, uma semana após a confirmação da adoção. “Ficamos brincando com ele, mas ele era muito calado. Como viveu na instituição desde o seu nascimento, ele não tinha sido estimulado como outras crianças”, conta o analista.

Era o começo de uma difícil adaptação. Breno foi levado para casa no mesmo dia e apresentou uma crise asmática. “O três primeiros dias foram muito difíceis. Ele chorava bastante, estranhou aquelas duas pessoas novas. Depois de uma semana que começou a melhorar”, relata.
Passado o período de adaptação, Breno finalmente pode aproveitar a vida que sempre mereceu. Foi acolhido por toda família e amigos e hoje é o xodó de todos que conhecem de Paula. “Hoje nós temos um vínculo muito grande com os pais dos amigos dele, com nossos amigos e do meu parceiro. É uma relação muito tranquila, inclusive na escola”, conta o analista.

Diálogo e respeito ao tempo de Breno têm sido fundamentais para a construção dessa relação entre pais e filho. Segundo de Paula, Breno sabe de sua origem e, dentro das suas limitações de criança, entende a estrutura familiar em que está inserido. “A gente conta para ele que éramos dois pais que sonhavam em ter uma criança e ele era uma criança que sonhava em ter uma família. Cada um rezava de um lado até que o um dia o papai do céu nos atendeu”,  explica.
Com seus caminhos cruzados, Breno, Geraldo e Nill escrevem e dão cor ao caderno de novas memórias de Breno. Cada um respeitando seu tempo e compartilhando o amor, sentimento que Breno só foi conhecer, de fato, com quase 3 anos. “Ele mostra felicidade e alegria o tempo todo, é muito emotivo. Outro dia na escola uma amiguinha perguntou se ele não tinha mãe e ele respondeu que tinha dois pais.”

Mãe só há uma?
“Acreditávamos que nossos filhos já existiam e estavam nos esperando”. Foi esse pensamento que colocou a professora Priscilla Castro Justus, 31 anos, e sua companheira, Rafaela, na fila de casais interessados em adoção. As duas são mães de Marília, 6 anos e Luis Henrique, 4 anos.

Mas, ao contrário da família de Geraldo e Breno, a professora teve de enfrentar alguns obstáculos, entre eles o preconceito. “Nosso processo seria rápido, porém o juiz nos considerou inaptas, apesar do laudo positivo da equipe, apenas por homofobia. Disse que casais em união estável não podem adotar, apesar da minha certidão de casamento estar anexa ao processo. Recorremos e ganhamos, mas isso atrasou em quase um ano a nossa habilitação”, revela.

Foram 17 meses até que, finalmente, Priscila e Rafaela foram iniciaram o processo de aproximação das crianças, que moravam em Natal. “Pelo fato de serem irmãos eles se apoiaram bastante e chegaram com muito amor pra dar. Eles passaram por muitas situações difíceis antes da adoção e ainda tem sequelas disso, mas, com muito amor, vamos superando tudo”, conta a professora.

Apesar do amor que transborda dentro de casa e entre amigos e familiares, o preconceito vez ou outra bate à porta da família. “Sofremos preconceito sim, por eles serem negros e nós duas brancas. As pessoas estranham isso e ficam olhando, chega a nos incomodar. Também tem as frases clássicas: ‘tão bonitinhos, por que a mãe não quis?’ ou ‘onde está a família de verdade?’”.

As perguntas incomodam, mas o casal tira de letra e sempre se preocupa em falar a verdade às crianças. “A Marília lembra de tudo (antes da adoção) e fazemos questão de não esconder nada. Família de verdade não pode se consolidar na mentira”, aconselha Priscila.

No fim das contas, os obstáculos são pequenos pedregulhos diante de amor puro e sem preconceito. “Aconselho a quem se interessa por adoção ler muito e, principalmente, frequentar o grupo de apoio à adoção da sua cidade. Além disso, nunca esquecer das crianças que já existem, sem ficar idealizando apenas um bebê branquinho de olhos azuis. As crianças reais são bem diferentes disso”, afirma a professora.


Reproduzido por: Lucas H.


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