quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Justiça Governo tenta agilizar adoção com mudanças no Estatuto da Criança e do Adolescente (Reprodução)

2 de Novembro, 2016

Por Mariana Muniz

Brasília
              
mariana.muniz@jota.info

Ao mesmo tempo em que mais de 37 mil pessoas querem adotar um filho, 46 mil crianças e adolescentes aguardam em acolhimento a chegada de pais e mães não biológicos. O número de aptas a serem adotadas, porém, é de apenas 7 mil – uma conta que aprofunda o desequilíbrio histórico entre quem deseja adotar e aqueles que esperam encontrar uma família.

O governo federal submeteu a consulta pública o texto de um projeto de modificação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), com o objetivo de resolver os problemas que impedem essa conta de fechar.

Especialistas ouvidos pelo JOTA, por outro lado, alertam que é preciso ir além de alterações legais, investindo nas equipes que atuam nas varas de adoção. Além de um mudanças culturais e maior respeito à vontade da mãe que decide entregar o filho para adoção.

“Qualquer alteração que vise a diminuição do tempo das crianças no acolhimento institucional é benéfica”, avalia a advogada Silvana do Monte Moreira, presidente da Comissão de Adoção do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). “A infância é muito curta e não pode ser desperdiçada dentro de um abrigo.”

Em seguida, Silvana, que é uma das maiores especialistas em adoção do país, pondera que “para que isso aconteça, a gente não pode esquecer que é necessário que as varas estejam equipadas com psicólogos, assistentes sociais. Porque senão vai ser mais uma lei para ser não ser cumprida”.
Para a advogada, um dos maiores problemas na adoção é a falta de equipes interdisciplinares em todas as varas de Infância e Juventude – uma inovação do ECA, que até hoje custa a emplacar.
“Nas varas de todo o Brasil, e quando existem essas varas, não há equipes técnicas em número suficiente para dar o devido acompanhamento de que as crianças necessitam. ”

O texto submetido pelo Ministério da Justiça ficará em consulta pública até sexta-feira (4/11) e contabilizava mais de 500 sugestões no início desta semana. A ideia é ouvir a população sobre como melhorar as políticas de acesso ao direito familiar de crianças e adolescentes.

As sugestões feitas por meio de uma plataforma online serão analisadas e, depois, integrarão o anteprojeto de lei que será entregue ao Congresso Nacional. O texto deve ser enviado ainda este ano.
Prazo para entrega voluntária

O tópico com maior número de comentários até o momento diz respeito ao prazo para realização da entrega voluntária de crianças para adoção. Outra alteração prevista no texto do anteprojeto é o estabelecimento de um prazo de 90 dias para o estágio de convivência entre os pretendentes e a criança, seguido de 120 dias para a conclusão da adoção.

“Passei dez anos até que minha filha chegasse à nossa família. Foram muitas idas e vindas e dois irmãos que ela poderia ter tido, mas que infelizmente não puderam ficar conosco”, conta Eneida Santos, mãe de Alessandra, de 14 anos.
Os irmãos a que a pedagoga se refere são outras crianças que chegaram a passar o período de adaptação na casa dela, mas acabaram tendo a guarda requisitada por um parente biológico.

Eneida e Alessandra tornaram-se mãe e filha depois que a adotante reavaliou os critérios determinados por ela no Cadastro Nacional de Adoção (CNA). Durante o período inicial da busca, a pedagoga pretendia adotar uma criança ainda bebê, com no máximo dois anos de idade. “Mas vi que meu desejo de ser mãe era maior”, disse.

“O debate sobre adoção e a regulamentação dessas ações é uma forma de ampliar o atendimento de crianças e adolescentes. A criança é o único sujeito de direito a quem foi conferida prioridade absoluta e lamentavelmente essa prioridade nunca foi conferida de fato”, afirma Clarice Oliveira, diretora de assuntos legislativos do ministério da Justiça.

Otimizar processo dentro dos limites
Não é possível “tratar a adoção como um procedimento reversível, mas, de fato, ele deve ser otimizado dentro limites da proteção integral”, segundo a advogada Thandra Pessoa de Sena, autora do livro “A Nova Lei da Adoção à luz dos direitos fundamentais”, que trata da lei nº 12.010/2009 – conhecida como “Nova Lei da Adoção”.

“A adoção é um procedimento judicial irrevogável e necessita de cautela absoluta em todas as suas fases. Assim, ainda que a preocupação com a demora de procedimento seja pertinente creio que a preocupação maior deve ser com o melhor interesse da criança e do adolescente”, avalia a
Silvana, do IBDFAM, lembra que um dos pontos de entrave na adoção, da maneira como ela é regulada hoje, é a necessidade do ‘esgotamento’ das possibilidades de localização da família de origem.

Afinal, o texto legislativo não especifica o que é ‘esgotar’: se significa colocar um edital buscando essas pessoas ou procurar incessantemente por essas pessoas, “queimando a vida da criança na busca”.

“Acho que o importante é parar de olhar a criança como objeto e tratá-la como um sujeito de direito. A criança não é objeto do biológico. A criança é um sujeito de direito da família. Seja essa família natural ou adotiva”, assinala a especialista.

Vontade da mulher
O respeito à vontade da mulher que voluntariamente entrega o filho para adoção também é outro ponto que merece atenção, segundo a presidente da Comissão de Adoção do IBDFAM.

“A gente precisa entender que essa entrega é um ato de amor, e não pode ficar buscando família extensa, nem possível pai, se essa mulher não quiser que isso seja buscado”, aponta. “A gente insiste tanto para que as crianças não sejam abandonadas em lixões, em lagos, mas na hora que a mulher quer entregar a criança, a gente cria dificuldades, constrangimentos.”

A especialista critica o artigo 13 do anteprojeto produzido pelo Ministério da Justiça, que fala em buscar o possível pai e a família extensa.

“Isso é um absurdo. E se a criança for fruto de uma relação extraconjugal que ela não queira que ninguém saiba? Por que não respeitar esse direito que ela tem de não entregar?”.
O parágrafo tem a seguinte redação:

“§ 1º-C  Caso a genitora não indique a paternidade e decida entregar voluntariamente a criança em adoção, terá sessenta dias a partir do acolhimento institucional para reclamá-la ou indicar pessoa da família extensa como guardião ou adotante”.

Este tópico recebeu 57 comentários, a maior parte deles criticando o prazo de 60 dias.

Adoção à brasileira

Para Silvana, o excesso de dificuldades existentes para adoção favorece a ilegalidade – o que se convencionou chamar de “adoção à brasileira”.

A prática consiste em um modo pelo qual a mãe ou a família biológica entrega a criança para uma pessoa que ela escolheu, passando ao largo dos trâmites legais.

“Esse lado da ilegalidade, mais fácil, termina tirando os direitos das crianças. Portanto, a adoção consentida, que é a entrega direta para outra pessoa que a mãe escolheu, precisa ser efetivamente regulamentada”, explica a advogada, lembrando que, muitas vezes, o casal adotante registra a criança como se fosse filho biológico.

As contribuições para a revisão dos procedimentos de adoção podem ser feitas por meio da página http://pensando.mj.gov.br/adocao. 

Ação conjunta
O Cadastro Nacional de Adoção, liderado pela Corregedoria Nacional de Justiça, foi lançado em 2008 como ferramenta digital de apoio aos juízes das Varas da Infância e da Juventude na condução dos processos de adoção em todo o país.

Em entrevista ao JOTA, o ministro João Otávio de Noronha, Corregedor Nacional de Justiça, falou que o grande desafio é acelerar o trâmite da adoção sem causar danos.

Como o senhor avalia a iniciativa do Ministério da Justiça de abrir uma consulta pública sobre os procedimentos de adoção?

Avalio como positiva toda inciativa que visa trazer benefícios as crianças e adolescentes que aguardam por uma família, mas saliento que é muito importante que os juízes e advogados, que atuam diretamente nos processos de adoção, possam ser ouvidos. A experiência dos operadores do direito traz valiosa contribuição para o aprimoramento do ECA e do Cadastro Nacional de Adoção, administrado pela Corregedoria do CNJ.

Um dos pontos abordados na revisão destes procedimentos é a instituição de um prazo para a conclusão do processo de adoção. Na sua opinião, a demora é o maior entrave para que crianças que podem ser adotadas e pais que desejam adotar se encontrem?

Sem dúvida, a demora processual é um fator angustiante e que deve ser combatido, principalmente quando se trata do bem-estar de crianças e jovens brasileiros. Mas não se pode perder de vista também a segurança das decisões de se destituir o pátrio poder e de entregar a vida de um menor aos cuidados de outra família. O grande desafio é buscar esta agilidade sem causar danos, que com certeza, são irreversíveis para a vida das pessoas envolvidas na adoção, sejam as crianças, pais biológicos ou pais adotivos.

O texto elaborado pelo Ministério da Justiça também estimula a adoção internacional, facilitando o processo. Como o senhor vê esse mecanismo?

Vejo como mais uma alternativa, prevista em Lei, de se dar uma família às crianças que aguardam nos abrigos, mas defendo que esta opção deve acontecer somente quando esgotadas as possibilidades dos menores serem acolhidos por famílias brasileiras e assim, mantendo suas raízes. A grande vantagem da adoção por estrangeiros é que eles são mais propícios a adotar crianças mais velhas e grupos de irmãos, que justamente tem características opostas aos que os pretendentes brasileiros esperam, atendendo assim, um gargalo existente. Há de se ressaltar, que aos poucos, isso tem mudado no Brasil e as estatísticas mostram que tem crescido, mesmo que lentamente, o número de adoção tardia.

As últimas medidas do CNJ ajudaram a otimizar os procedimentos de adoção existentes aqui no Brasil? Quais são os próximos passos?

Acredito que sim, o Cadastro Nacional de Adoção é a prova disso. O que cabe a Corregedoria do CNJ é garantir que o Cadastro Nacional de Adoção, que é alimentado pelos juízes das varas da Infância de todo país a cada processo de adoção concluído, seja o mais transparente e seguro do ponto de vista das informações, pois os números gerados por ele são essenciais para o trabalho dos juízes e para o aprimoramento das políticas públicas relativas a adoção no Brasil.

Claro que há o que melhorar nesse campo, por exemplo, otimizar ainda mais o preenchimento do cadastro evitando que crianças já adotadas ainda apareçam na lista de disponíveis, confundindo e retardando o trabalho de busca de uma família para uma criança, que efetivamente aguarda por um lar.

Para identificar esses pontos e aprimorar o CNA, determinei a criação de um grupo de trabalho para levantar reclamações e demandas relativas à utilização dos cadastros da área da infância e juventude, como o Cadastro Nacional de Adoção (CNA), o Cadastro Nacional de Crianças Acolhidas (CNCA) e o Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com a Lei (CNACL). Além disso, vamos organizar workshops, em todas as regiões do país, para dialogar com os agentes que realmente lidam com a adoção diariamente e, assim, debater as melhorias nos sistemas de informações, colher informações sobre boas práticas na área da infância e juventude e propor estudos para o aperfeiçoamento da legislação sobre a matéria.

Original disponível em: http://jota.info/governo-tenta-agilizar-adocao-com-mudancas-no-estatuto-da-crianca-e-adolescente#.WBqwB_eBhFI.facebook

Reproduzido por: Lucas H.


Nenhum comentário: