segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

O futuro dos jovens abandonados nas Casas Lares pelos pais (Reprodução)

03/12/2016

Completar 18 anos é o sonho de qualquer jovem. Poder sair à noite sem ter que cumprir horários, dirigir, ter a liberdade que tanto sonhou, enfim... Mas para alguns ter a maioridade é muito mais que a liberdade, é assumir a responsabilidade por trilhar o próprio caminho, em alguns casos, sem o apoio familiar. O Circuito Mato Grosso encontrou algumas histórias de adolescentes abrigados em Casas Lares de Cuiabá, que completarão ou até já são maiores de 18 anos, para saber a situação em que vivem e qual a expectativa para o futuro.

Destituído do poder familiar, Arthur Arruda* completou 17 anos em outubro e sabe que este deve ser o seu último no Projeto Nossa Casa, abrigo em que reside junto a outros nove adolescentes. Com um olhar firme, o estudante do último ano do Ensino Médio se mostra ambicioso. “Ainda não sei muito bem o que vou fazer. As possibilidades são enormes, muita coisa, mas eu tenho muita vontade de crescer, vontade de ser alguém na vida”.

Ele trabalha em uma agência financeira de cooperativa como Jovem Aprendiz há um ano e cinco meses e, mesmo o contrato encerrando na metade de 2017, Arthur diz ter a tranquilidade de que será efetivado.

Como nunca parou de estudar, apesar do histórico complicado de abandono e mudança de cidade, o rapaz pensa em fazer faculdade de Contabilidade ou Administração, área da empresa em que trabalha. “É uma empresa bem conceituada e visa o crescimento dos colaboradores. Pretendo ficar lá até quando eu me estabilizar como adulto”, afirmou o jovem.

A história de Arthur envolve uma infância e adolescência conturbada com as idas e vindas da mãe, que na última vez o deixou para ir ao enterro do padrasto e não mais voltou. Na época, o garoto tinha 12 anos de idade e recebeu a proposta de uma professora que o trouxe de Alta Floresta para Cuiabá para morar com os pais dela. “Lá acabou não dando certo porque a mulher do pai dela não gostava de mim, a gente tinha alguns atritos, achei que não precisava passar por aquilo e fui para o abrigo”, relatou Arthur.

Ele conta que graças a sua ida para a Casa Lar possui hoje documentos de identidade. “Foi muito bom pra mim. Tive grandes oportunidades, consegui várias coisas, mas a principal foi conseguir  meus documentos. Dizem que quem não tem documento não existe, tipo eu não existia, não é assim?”.

Mesmo admitindo não se sentir preparado para sair do abrigo e enfrentar a vida adulta, Arthur diz que irá seguir seu caminho. “Preparado, preparado eu não me sinto. Mas, pra mim, nunca é demais. Procuro buscar sempre mais. Tenho sede de sucesso, sabe? Eu quero sempre mais”, afirma o jovem, que, além de estudar e trabalhar, faz curso de inglês e banca a própria academia de musculação.

Desempregado, jovem se sente inseguro
Mesmo com tantos planos e incertezas que a maioridade traz, ainda há casos de jovens que se sentem inseguros para trilhar a vida fora de uma instituição de acolhimento, sem o apoio da família. É o caso de Gustavo, que completa 19 anos em quatro meses. O rapaz já deveria ter sido desligado, no entanto a instituição continua abrigando Gustavo, que se encontra desempregado.

Há cinco anos no Projeto Nossa Casa, Gustavo diz que foi para o abrigo devido a conflitos familiares, e por ter convivido com alguns parentes e tido problemas comportamentais, optou por ir para o abrigo, quando ainda era menor. “Eu não conheci minha mãe, e acabei indo morar com algumas tias. Eram lugares muito expostos, alguns mexiam com drogas, e eu não quero isso pra mim, eu também era um pouco bagunceiro”, confessa o rapaz.  

Gustavo sabe que já deveria ter deixado o abrigo e relata o apoio da instituição. “Foi a melhor coisa eu ter vindo pra cá, senão eu poderia até ter morrido. Estou aqui ainda graças à diretora Amábille Coimbra, ela está me ajudando. Já fiz cursos profissionalizantes, quero continuar estudando, trabalhar, fazer Direito e conseguir juntar um dinheiro para poder sair daqui”, diz.

Garota voltará para a família, mas não para os pais
Além dessas histórias de jovens que não possuem vínculo familiar, como Arthur, ou ainda com dificuldades de reinserção, como o Gustavo, há casos como o da Manoela, de 17 anos de idade, que voltará para a família quando completar a maioridade. A juíza, Gleide Bispo, da Vara da Infância e Juventude, afirma que casos como esse acontecem com a maioria dos adolescentes abrigados, de jovens que não foram destituídos do poder familiar.

Manoela vive há quase um ano no Projeto Nosso Lar, casa que abriga meninas de 12 a 18 anos de idade. A história dela não é menos traumática que as outras. A garota conta que morava com o namorado antes de decidir ir para o abrigo. Ela diz que sempre foi criada com parentes e que a mãe fazia pressões psicológicas. “Ela não era casada com meu pai. Então, tudo o que acontecia na vida dela, ela me culpava, de tudo mesmo. Meu pai viajava muito e por isso eu ficava na casa de parentes”, conta.

Estudante do segundo ano do Ensino Médio, passou a receber ameaças da própria mãe, foi quando, instruída por um amigo, procurou o Conselho Tutelar. “Vim pra cá em março deste ano, mas assim que completar 18 anos volto a morar com meus tios”, revela.

A mãe acabou falecendo.

De laço vermelho na cabeça, a tímida Manoela diz se sentir preparada para o mundo adulto e fala de suas expectativas para o futuro. “Eu pretendo melhorar minha vida emocional. Já sofri bastante e não quero ficar me vitimizando. Eu quero seguir em frente, esquecer o que eu já passei . Só eu posso mudar o meu destino, né... É isso que quero pra mim, ser feliz, quero ter uma família de verdade”, declarou.

Atualmente Manoela também trabalha como Jovem Aprendiz e pretende fazer a faculdade. “Quero ser uma pessoa bem sucedida”.

Casa Lar não “despeja” jovens que completam maioridade
A coordenadora do abrigo institucional Projeto Nossa Casa, Amábille Coimbra, explica que a instituição abriga adolescentes de 12 a 18 anos que estão em situação de conflito ou ainda destituídos do poder da família. Ela esclarece que não é porque completa a maioridade que ele será “despejado” da instituição. “Nós continuamos dando o apoio ao jovem, até que ele esteja trabalhando e possa arcar com o aluguel de uma casa, por exemplo, e se sustentar no geral”, explica.

Amábille explica que o abrigo institucional acolhe os adolescentes que são encaminhados pela Vara da Infância e Juventude, os quais alguns não têm pra onde ir, outros têm uma família muito desestruturada. “É uma transição natural que todos passam. Não é porque completou 18 anos que vai ser mandado embora no mesmo dia, existe um tempo pra ele. No entanto, ele fica, mas é por conta dele, se aprontar eu não vou poder fazer mais nada e sou obrigada a mandar embora”.

República para Jovem
Ao Circuito Mato Grosso, o promotor de Justiça José Antônio Borges Pereira, da Promotoria de Justiça de Defesa da Infância e Juventude de Cuiabá, afirmou que a Capital mato-grossense passará a ter uma república para jovens de 18 a 21 anos em breve. “Essa casa é o projeto de uma igreja e pretende abrigar um máximo de dez jovens. Eles terão uma mãe social e uma instrutora para orientá-los”, antecipa.

Segundo o promotor, é uma oportunidade de os jovens buscarem uma autonomia. “Eles já são preparados antes de completarem a maior idade. Mas ainda haverá esse apoio, para que eles toquem suas vidas com os estudos, cursos, faculdade e trabalho, para buscarem a autonomia das próprias vidas”.

Para a magistrada Gleide Bispo, o papel de toda a rede de acolhimento e na preparação dos adolescentes é bem realizado, seja na reintegração familiar ou no preparo para a vida adulta. “Quando o adolescente fica com a gente por um longo período, ele é trabalhado. Faz psicoterapia, rodas de conversa, procura empregos, estuda, faz cursos profissionalizantes, como a gente faz com os nossos filhos em casa, dando independência pra eles, para que eles sigam sozinhos”, explica a juíza.

Adoção Tardia
Considerada a adoção acima de três anos de idade, a integrante da Associação Mato-grossense de Pesquisa e Apoio à Adoção (Ampara), Lindacir Rocha Bernardon, vê como adoção tardia as crianças a partir de 10 anos de idade, quando se registra uma maior dificuldade para a adoção.

Mãe de três filhos adotivos, Lindacir não só conhece na pele a experiência de adoção, como fundou a Ampara para oferecer cursos aos pais que aguardam os filhos adotivos nas filas de espera. O curso é um “Pré-natal da adoção”, em que os pais se preparam através de trocas de experiências, teóricas e práticas sobre a constituição da nova família, para uma melhor qualidade da convivência familiar.
Para a bancária Anna Carolina Gonçalves Amaro, de 37 anos, ser mãe das filhas adotivas Vitória, de 11 anos, e Sarah, de 16 anos, foi a melhor coisa que aconteceu na vida. Anna e o marido, André Luís Campanha, optaram pela adoção após uma série de tentativas de engravidar.
Juntos decidiram por adotar um perfil de criança de 0 a 3 anos de idade. Mas em visita a um abrigo, que visitaram por curiosidade, conheceram crianças mais velhas e ficou marcada a primeira impressão. “Eu tive certeza de quando eu as vi pela primeira vez que elas eram nossas filhas. Na hora a gente nem pensou no perfil. Estávamos dispostos a ter um filho, de coração aberto”, a partir daí começou a história da família Amaro Campanha.
Na época, Vitória tinha sete anos e Sarah 12 anos. Anna não esconde as dificuldades que teve com as filhas, mas tem plena convicção de que é algo que todo o pai de filho biológico está sujeito a ter. “Todas as experiências mostradas na Ampara aconteceram, da forma mais inusitada. Independente da idade a criança dá trabalho. Independente de ser biológico ou adotivo é filho igual”, conta.
Na criação das irmãs, Anna assume que sentiu muito medo e pensava que seria até mais difícil, mas disse que sempre buscou apoio para saber como lidar com as situações da convivência à medida que vão surgindo. “Temos um grupo de pais e trocamos experiências, é muito bom, renovador. Eu fui muito feliz na adoção da Sarah e Vitória. Independente da idade as crianças precisam de amor e elas também têm muito amor pra dar. Eu tive medo, sim, só que eu creditava no amor que eu sentia por elas”, finaliza Anna Carolina que revela estar na fila de espera para adotar o terceiro filho, dessa vez de até seis anos. 
Reproduzido por: Lucas H.


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