segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Adotadas, desafio para irmãs é superar abandono, sem raiva dos pais biológicos (Reprodução)

06/01/2017

Numa conversa de Natal, irmãs de 8 e 9 anos viam pela televisão um programa que estampava a realidade delas. Adotadas há dois anos, Kendra e Kemilly assistiam a um destes encontros de filhos com os pais biológicos. Sem pensar duas vezes, a caçula resmungou que quando crescesse, não queria conhecer os pais que a geraram. A mãe adotiva conseguiu acolher o sentimento da filha e transbordar amor. Um dos dilemas da adoção é trabalhar nos filhos o abandono, a raiva e quando a vontade chega, o resgate ao passado.

Em resposta, a mãe, Beatriz Rocha pediu às meninas que quando pensarem nos pais, não tenham raiva. E em contrapartida, foi questionada: "você ora por eles mamãe?"

"Claro. Eles me deram vocês. Eles vieram nessa vida para cumprir algo, que era ter vocês para serem minhas filhas. Poderiam ter feito diferente e vocês chegariam a mim de qualquer maneira, com menos sofrimento talvez... Mas isso não importa mais. O importante é que estão aqui e para sempre serão minhas filhas. Quando lembrarem, peçam a Deus para que estejam bem".

Desde quando se casou, a servidora municipal Beatriz Rocha, hoje com 35 anos, nutria em si a vontade de ser mãe, mas não de engravidar. E quando o desejo bateu à porta, ela e o marido deram entrada na adoção na Vara da Infância do Fórum. 

Foi um ano até passarem por todas as etapas e um mês antes de serem habilitados, o casal foi apresentado às meninas pelo Projeto Padrinho. No cadastro, não tinham colocado nem limite de idade e nem cor e também aceitavam grupo de irmãos, por saberem que a realidade dos abrigos não é de bebês brancos e sim crianças maiores, muitas vezes em companhia de irmãos. 

Das visitas e passeios de final de semana, o laço foi criado e em dois meses, Kendra e Kemilly estavam adotadas. "A juíza viu interesse de ambas as partes, porque numa adoção tardia, os filhos também adotam os pais. E então elas foram morar conosco", conta. 

Todo o histórico veio junto. Os pais tiveram acesso ao processo de destituição da guarda dos pais biológicos e leram o drama que as meninas passaram antes de chegaram ao abrigo. 

No Natal, quando viu a reação da filha, Beatriz aplicou o que aprendeu no acompanhamento psicológico. "A psicóloga dizia que era para deixar falar e até deixar elas contarem todo o histórico que sofreram", fala Beatriz. 

Como a família é espírita, as meninas participavam das atividades do centro e desde cedo tiveram o contato com o outro lado das drogas, o da conscientização. E logo traçavam a relação com os pais. "Eu falava que às vezes, quando os pais biológicos faziam alguma coisa, é porque eles estavam drogados. Não era certo, mas eles estavam drogados", conta. 

Desde sempre os assuntos adoção e até mesmo a dependência química foram tratados com naturalidade em casa. No programa que assistiam no Natal, a filha mais velha respondeu que talvez até quisesse conhecer e ajudá-los. 

"Eu já estava preparada, é uma coisa que nunca foi tabu entre nós. Na conversa, precisamos não manter o ódio, o rancor, que não é bom para elas", argumenta Beatriz.

A troca de experiências nos grupos de adoção pelo Facebook e nas reuniões presenciais também ajudam e muito. "Vai chegar uma hora que vai vir à tona este abandono que aconteceu e quando elas ficarem mais velhas, podem querer esse resgate com o laço biológico, saber de onde veio. Alguns só querem saber quem é, outros vão atrás", discorre a mãe. 

Hoje que Beatriz já consegue agir com naturalidade diante da possibilidade das filhas quererem procurar a família biológica. "No começo sentíamos ainda aquela posse, o ciúme, então fomos trabalhando com ajuda da psicóloga de que isso é natural e na verdade, nenhum filho é nosso. Biológico ou não, um dia eles vão procurar o caminho deles".

Grupo de apoio - Coordenadora do Geaav (Grupo de Estudo e Apoio à Adoção Vida), Lydia Pellat, diz que orienta sempre para que a família não fale mal dos pais biológicos.

"A população condena muito quando um pai resolve entregar para adoção ou quando as crianças são acolhidas, porque eles não puderam cuidar. Então sempre que estiverem falando, a gente orienta para que não fale mal, foi por algum motivo que eles não puderam cuidar", explica Lydia.

Às vezes a história por trás da adoção é muito dolorida e triste e Lydia fala que as crianças até se sentem aliviadas em falar. "É importante e a criança precisa colocar isso, expor, até que ela possa entender e elaborar e a forma como os pais recebem isso é muito importante", frisa.

O melhor "método" é deixar que os filhos falem. "Não é incentivar, mas permitir, acolher a fala dessa criança, porque é importante você respeitar e dar liberdade para que essa criança possa falar", ressalta Lydia.

Em Campo Grande, há um grupo especial de apoio à adoção que se reúne na terceira sexta-feira do mês, às 19h30, numa sala do CAU (Conselho de Arquitetura e Urbanismo) na Avenida Afonso Pena, esquina com a Espírito Santo. O grupo mantém blog e o contato pode ser feito pelo celular: 9644-5056.


Reproduzido por: Lucas H.


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