segunda-feira, 10 de abril de 2017

Ter um filho e entregá-lo à adoção não é crime e pode ser uma lição de amor (Reprodução)

05/04/2017

Há mães e mães. Existem aquelas que não dão a luz, mas geram sua prole no coração, como geralmente explicam aos filhos adotivos de onde eles vieram. E há aquelas que, ao descobrir a gravidez, descartam o aborto e optam por continuar a gestação, porém já decididas: vão doar a criança assim que ela nascer. No Distrito Federal, só nos três primeiros meses deste ano, seis mulheres já procuraram as autoridades e manifestaram interesse em entregar seus filhos a famílias adotivas. Na capital federal e nas cidades do DF, a adoção legal é um trabalho feito pelo programa Entrega em Adoção, coordenado pela Vara da Infância e Juventude (VIJ) em parcerias com redes de proteção à criança e ao adolescente.

Em busca de visibilidade, o programa Entrega Consciente começa, nesta semana, uma campanha. Todas as unidades públicas e privadas de saúde do Distrito Federal deverão, obrigatoriamente, afixar placas informativas em locais de fácil visualização contendo os seguintes dizeres: "A entrega de um filho para adoção, mesmo durante a gravidez, não é crime. Caso você queira fazê-lo, ou conheça alguém nesta situação, procure a Vara da Infância e da Juventude. Além de legal, o procedimento é sigiloso". As placas deverão conter, ainda, endereço e telefone atualizados da Vara da Infância e da Juventude do DF.
 
Denise Kusminsky tomou a decisão – provavelmente, a mais difícil de sua vida em 1974. Criada em uma família conservadora, onde o sexo ainda era considerado tabu, Denise namorou um rapaz, mas se viu solteira novamente pouco tempo depois. Já sem o companheiro ao lado, descobriu que estava grávida e decidiu contar ao pai da criança, que tentou convencê-la a fazer um aborto. Denise chegou a visitar clínicas clandestinas, mas não foi adiante. Escolheu gerar o bebê.
 
"Senti muita frustração por não ter um companheiro para amparar minha vontade de ser mãe, já que meu ex-namorado achava-se muito novo para assumir a paternidade. Estava sozinha para ter esta vida e sem preparo algum. Foi quando o médico de uma clínica em que fui me ofereceu a alternativa de colocá-lo para adoção. E foi pensando no meu bebê e no seu bem-estar que considerei isso uma boa alternativa", desabafa Denise.

Autora do romance intitulado Reencontro, que conta toda a sua história, Denise só viu seu filho novamente 30 anos depois, com a ajuda de uma ONG, do atual marido e das quatro filhas. A identidade dele não é revelada pela escritora. Hoje, Denise diz que os dois são amigos, mas o estigma vivido por ela em 1974 ainda não cicatrizou totalmente.
 
Em 2016, ao menos 28 mulheres do DF optaram por doar seus rebentos assim que nasceram. Todas alegaram não ter condições sociais e/ou psicológicas para criar seus filhos. Elas tiveram todo acompanhamento previsto pela legislação, com o apoio da Vara da Infância. Segundo o supervisor da Seção de Colocação em Família Substituta da VIJ-DF, Walter Gomes, a medida é importante porque visa ampliar o conhecimento da sociedade sobre o processo de entrega de crianças para adoção.
 
"Todos reconhecem que muitas informações e orientações contidas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) ainda são pouco conhecidas. No caso da adoção, o desconhecimento pode ensejar situações gravosas às crianças, como aborto, abandono, entrega a terceiros sem o devido preparo psicossocial ou mesmo adoções à margem da lei", alerta o supervisor.

Decisão segura

O programa de Brasília é o primeiro do tipo no país e serviu como inspiração para outros projetos Brasil afora. Desde o início, em 2006, foram atendidas 258 genitoras e 136 gestantes interessadas em entregar seus filhos aos cuidados da VIJ. Durante todo o processo, é oferecido suporte legal e psicossocial às mães, além de um espaço de escuta, onde é possível conversar, refletir e construir uma decisão segura. O respeito, o acolhimento e a liberdade de se expressar também são garantidos, sem qualquer risco de sofrer discriminação ou prejulgamento. No final do processo, metade dessas mulheres volta atrás e desiste de entregar os seus filhos.
 
É por meio do encaminhamento de maternidades que a maioria das gestantes começa o atendimento nas Varas de Infância e Juventude. Na unidade judicial, elas têm direito a um atendimento multidisciplinar e têm o direito de mudar de ideia durante o processo assegurado. Walter Gomes, explica que a entrega do filho para a adoção é um direito das mães e gestantes previsto no ECA. O desconhecimento e o medo do estigma de ser aquela que “abandona” podem colocar em risco a vida da mãe e da criança.
 
Walter esclarece, ainda, que ao assumir sua limitação para exercer a maternidade, e procurar as autoridades competentes, a mulher demonstra respeito para com a criança, evitando que medidas drásticas, como o aborto ou o abandono, sejam tomadas. A entrega evita, também, a adoção ilegal, a chamada "adoção à brasileira", ou seja, o registro indevido de uma criança como se fosse filho biológico. Ao realizar a adoção pelas vias legais, a genitora garante que a família que receberá a criança tenha sido rigorosamente vistoriada por assistentes sociais e tenha todas as condições para acolhê-la.

Histórico de abandono

Maria Luiza Ghirardi é psicanalista e fundadora do grupo Acesso – Estudos, Intervenções e Pesquisa sobre Adoção, do Instituto Sedes. Segundo ela, antes de qualquer julgamento, é preciso entender quem é essa mulher que, muitas vezes, também foi abandonada. O abandono parte do companheiro; da família; da sociedade; do Estado, muitas vezes omisso, no papel de oferecer condições mínimas para a maternidade. "A entrega é um processo com variáveis psíquicas e sociais muito complexas. Não há dados que digam qual a maior causa, mas as questões socioeconômicas são algumas das razões que prevalecem", detalha Maria Luiza.
 
De acordo com a especialista, algumas dessas mulheres não conseguem amar seus bebês porque nunca foram cuidadas e se sentem incapazes dar o que nunca receberam. Outras foram deixadas pelos companheiros e se viram sem condições de cuidar, sozinhas, de uma criança. Alguns dos casos acompanhados pela Vara da Infância do DF são de mães viciadas em drogas. Outras, carregam no ventre o fruto de uma violência sexual. Muitas vezes, a decisão de doar a criança é um jeito de se ver livre – mesmo que não totalmente – de lembranças perturbadoras.
 
O perfil de mulheres que entregam seus filhos à adoção é, geralmente, de mulheres menos favorecidas socialmente e solteiras. Na maior parte dos casos, o pai não constavam nos processos. Porém, há também registros de mulheres graduadas, casadas e estabilizadas que decidiram não ser mães. "É um engano achar que apenas as mulheres excluídas socioculturalmente tendem a entregar uma criança a adoção. Já tivemos casos de gestantes de classe média e classe média alta que, por não terem se planejado de forma adequada para o exercício da maternidade, interpretaram a gravidez como sendo inoportuna e decidiram procurar a Justiça para proceder a entrega em adoção", explica a especialista.
 
Apesar de todas as diferenças, há algo em comum a todas essas mulheres. "Para elas o aborto é uma possibilidade muito arriscada, então, elas acabam excluindo essa opção. Elas souberam que havia possibilidade de entregarem a criança em adoção forma legal”, diz Gomes, da VIJ. E completa: "Para muitas delas essa via judicial, embora de difícil decisão, acaba sendo uma alternativa que gera alívio e descompressão psicológica", finaliza.


Reproduzido por: Lucas H.

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