segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Mais de 400 crianças estão abandonadas na Grande Vitória (Reprodução)

13 de outubro de 2017

A quantidade de crianças e adolescentes que foram negligenciadas ou abandonadas pelos pais ou responsáveis nos cinco principais municípios da Grande Vitória, entre os anos de 2016 e 2017, chega a 426 casos. Os dados são das prefeituras de Vitória, Vila Velha, Serra, Cariacica e Viana.

Atualmente, 304 menores entre zero e 18 anos incompletos vivem nos 19 orfanatos espalhados por estas cidades.

Eles estão sob a tutela dos municípios e parte está na fila da adoção. Uma outra parte não se encaixa no perfil tradicionalmente requisitado pelas futuras famílias adotivas e passam dias, meses, anos e até décadas vivendo nos orfanatos públicos, nos quais os amiguinhos e funcionários são suas famílias. Uma terceira parte dessas crianças e adolescentes nos orfanatos ainda aguarda decisão judicial sobre possibilidade de retorno ou não à família de origem, processo que pode durar até dois anos. Encerradas as possibilidades, entram na fila da adoção.

Ao se deparar com a situação dessas crianças e adolescentes, certas pessoas se compadecem e, muito mais do que isso, sentem-se motivadas a serem agentes transformadores daquela realidade, já que os municípios oferecem outras oportunidades de convívio com os menores, como o apadrinhamento afetivo. Ao participarem de uma ação promovida pela igreja que frequentam no Lar Batista Albertine Meador, orfanato localizado em Laranjeiras, Serra, no ano passado, o casal Marcelo Silva, 43, e Marciana Silva, 40, ambos administradores, conheceram T., na época com 16 anos. Hoje, completam um ano como “padrinhos afetivos” da adolescente, convivendo com ela nos finais de semana, feriados e férias, e não se imaginam mais longe dela.

“Pensava igual todo mundo: quero pegar uma criança, já que minha filha tem 10 anos, ou alguém que, no mínimo, seja compatível para brincar com ela. Mas eu já fui adolescente e sei que você com 18, 19 anos não tem como trabalhar para se sustentar. Então isso mexeu muito comigo. Daí conversei com Marcelo e ele concordou em apadrinharmos ela”, lembrou Marciana.

E relatou: “Começamos a ter contato com ela em outubro do ano passado e uma coisa que sempre demos prioridade é pegar sempre, todos os fins de semana. Em dezembro ela ficou com a gente 15 dias, do final de dezembro até o meio de janeiro. Fomos pra Guarapari, e ficamos um tempinho lá. Ela já faz parte da vida d’agente. Graças a Deus temos espaço, três quartos, e lá em casa ela tem o quarto dela. Então ela já se sente em casa. Nada restrito”.

Marcelo afirma que, neste um ano que a família apadrinhou T., as mudanças vieram para fazê-los pessoas melhores. “Tratamos ela como nossa filha: conversamos muito, damos orientações, falamos da importância da disciplina… Ela é uma menina maravilhosa,muito educada, vaidosa… nos ajuda muito. Ela tem sido bastante importante na nossa vida, no nosso crescimento até como casal também. De conversar mais, de ter até mais atenção com a nossa própria filha (de 10 anos) com relação às coisas do mundo. Está ensinando à Sanny (filha) que ela precisa conviver, dividir… Então ela trouxe uma nova convivência familiar”, disse o gerente.

Apadrinhamento afetivo

Marcelo e Marciana entraram no programa de Apadrinhamento Afetivo da Prefeitura Municipal da Serra, no qual os padrinhos têm a oportunidade de conviver nos fins de semana, feriados e férias com os apadrinhados, que têm acima dos sete anos de idade. Caso não haja impedimentos legais, os padrinhos podem tem a chance de adotar posteriormente. Mas este não é o caso de T. Ela ainda se encontra sob a guarda do pai, e uma possível adoção, que é o sonho do casal e também o da adolescente, só acontecerá caso o pai biológico libere.

“Se surgir a oportunidade, com certeza vamos adotar. Mas até mesmo para controlar nossa ansiedade, nós pensamos que temos que saber separar, porque ela tem a vida dela. Ou, por acaso, ela se tornou adulta, foi viver a vida dela, ela sabe que vai ter uma casa aqui conosco. Se ela decidir ficar, vai ser uma pessoa da família, como já é. Às vezes a gente cria uma expectativa e a gente tem que controlar isso para o futuro”, disse Marciana.

“Pela primeira vez estou tendo pai e mãe”

Desde que T. foi apadrinhada por Marciana e Marcelo é notório o crescimento da adolescente de acordo com os funcionários do Lar Batista, passando de uma menina tímida, a uma menina mais confiante e decidida. Nas palavras da própria T., pela primeira vez ela se sente filha de pai e mãe verdadeiros.

“Tem sido muito bom porque eles fazem um papel de pai e mãe que nunca tive o prazer de ter, então é uma experiência muito boa pra mim. Nossa convivência é ótima, eu tenho a oportunidade de viver numa casa normal. Porque aqui é uma casa com várias meninas, não é a mesma coisa de estar morando com um pai e uma mãe”, conta ela, que se sente muito amada pelos “novos pais”.

“No Marcelo eu gosto mais do carinho. O jeito que ele trata eu e a Sanny (filha) acho muito legal. Marciana a mesma coisa. Apesar de eu não ser filha deles, eles têm um carinho muito especial por mim, eu sinto isso, e acho isso muito bacana. A Sanny me trata como se fosse irmã dela. Tirando o ciúme, é claro (risos). Porque imagina, sou uma menina que entrou na vida dela e ele está acostumada a ser filha única. Mas ela me trata muito bem”, diz T.

Quando questionada sobre os melhores momentos que passou com os pais, ela é enfática. “A ceia de Natal. Eu nunca tive, nunca participei de algo assim. Gostei muito. Nossas férias em Guarapari também foi muito legal porque conheci várias outras pessoas, amigos, familiares, gostei muito”, comentou ela, que, no ano que vem, pensa em prestar vestibular para engenharia ou direito.

Marcelo resume o sentimento que tem por T.: “É amor. Gratidão pelo amor, pelo respeito, pela consideração, por poder fazer o bem na vida dela. Não é um fardo, é uma coisa natural. Amor gera amor e é isso que vai mudar o futuro desses jovens. Somos gratos a Deus por tudo isso. A gente não se vê mais sem ter contato com ela. Ela já é parte da nossa vida. Este um ano passou como um estalo. Temos que aproveitar”.

Já a adolescente quer tê-los para sempre. “É uma convivência que vou levar pro resto da vida. Eu me vejo eles velhinhos e eu ali, cuidando deles também, da mesma forma que eles cuidam de mim hoje”. 

304 estão sob tutela dos municípios

Nos municípios de Vitória, Vila Velha, Serra, Cariacica e Viana, 304 crianças e adolescentes de 0 a 18 anos incompletos estão sob tutela municipal. Destes, somente Vila Velha não possui o apadrinhamento afetivo ou o programa “família acolhedora”. Na Serra e em Viana, o apadrinhamento afetivo é feito de acordo com as determinações do ato normativo 13/2015, de acordo com o qual só podem ser apadrinhados crianças e adolescentes acima de sete anos de idade que não estejam em condição de adoção, estejam destituídos ou suspensos do poder familiar e que tenham remotas possibilidades de reintegração à família de origem ou de inserção em família substituta. O processo deve ser autorizado judicialmente.

“Participam também os que estão na condição de adoção, mas têm poucas possibilidades de adoção, que estão por exemplo na adoção tardia, ou crianças que têm deficiência e fazem parte desse grupo que acaba tendo baixa possibilidade de adoção. Excepcionalmente, crianças de menos de sete anos, que vivem em condições especiais de saúde, podem ser apadrinhadas, desde que devidamente autorizadas pelo juizado”, explica a assistente social do Lar Batista Albertine Meador, Simone Castorino.

De acordo com ela, os interessados passam pelas seguintes etapas: apresentação do programa; visita domiciliar aos possível padrinhos; entrevista aos padrinhos e anexação de documentos diversos; atendimento à criança ou adolescente para cruzar os perfis com o dos possíveis padrinhos; apresentação de padrinho e apadrinhado para confirmarem se ambos querem dar continuidade ao processo; início dos períodos de vivência sob supervisão dos profissionais.

“Quando as partes se sentem confortáveis e confirmam as vontades, enviamos um relatório ao juiz, relatando cada parte do processo com fotos. Esse relatório é apreciado pelo juiz e aprovado ou não. A partir da decisão positiva pode ser padrinho afetivo. Daí é possível passar finais de semana, feriados e períodos de férias com o apadrinhado”, explica a psicóloga Carine Araújo, do Lar Batista.

Na Serra, além do apadrinhamento afetivo, ainda é possível ser um “padrinho provedor” ou um “prestador de serviço”. “O padrinho que quer colaborar de alguma forma mas não tem disponibilidade de tempo pode ser um padrinho provedor: se disponibilizar a pagar curso profissionalizante, aula de ballet e fonoaudiólogo, por exemplo, contribuindo para o desenvolvimento ou uma contribuição financeira para uma demanda futura. Já um profissional de alguma área ou qualquer empresa pode ser prestador de serviço, se propondo a prestar serviço para uma ou mais crianças que estejam institucionalizada em abrigo”, explica Carine Araújo.

Em Viana, onde 11 crianças e adolescentes estão sob tutela do município, o programa “Quero Bem” desenvolve os projeto de apadrinhamento afetivo, padrinho provedor e prestador de serviços, desenvolvendo oficinas de orientações, visitas as famílias, pessoas e casais postulantes.

“O objetivo do Programa é contribuir para que crianças e adolescentes em situação de acolhimento institucional aptas ao apadrinhamento tenham a possibilidade de construir e manter vínculos sócio-afetivos fora da instituição, receber atenção individualizada, aconselhamento, apoio e acompanhamento escolar; suporte material ou financeiro, bem como prestação de serviço especializado; ampliando, assim suas oportunidades de convivência social e comunitária”, explicou o secretário de Desenvolvimento Social Ledir Porto.

Famílias acolhedoras em Vitória e Cariacica

O município de Cariacica, que atualmente cuida de 83 crianças e adolescentes nos três Centros de Vivência que possui, desenvolve tanto o apadrinhamento afetivo, quanto o programa “Família Acolhedora”. De acordo com o gerente de Proteção Social Especial de Cariacica, Valdecy Mindas, a diferença entre os dois programas é que o “Família Acolhedora”, a criança ou adolescente, desta vez de 0 a 18 anos (o apadrinhamento afetivo é a partir dos sete anos) vive com a família diariamente por um período máximo de dois anos, sob a supervisão do município.

“A família acolhedora também tem um subsidio que é pago para a família para cuide dessa criança ou adolescente”, explica ele e conta que uma família que está acolhendo uma criança com microcefalia está em processo de adoção dessa criança. “A família tem o direito de ficar até dois anos. Caso queira adoção o processo entra na Vara da Infância e cabe a eles decidir”, explicou.

Já Vitória atualmente cuida de 85 crianças e adolescentes acolhidos em cinco Centros de Vivência na Capital. O programa “Família Acolhedora” atendide crianças e adolescentes entre zero e 18 anos incompletos que sofreram algum tipo de negligência, violência ou abandono. As famílias que se dispõem a acolher passam por etapas até a habilitação, de forma a ajustar as necessidades dos assistidos à rotina da família acolhedora. Além do apoio psicossocial da equipe técnica, a família acolhedora recebe um auxílio financeiro para custear algumas despesas em sua residência.

“Ele chegou um pouco desconfiado, mas logo se integrou completamente ao convívio com as outras crianças aqui do prédio e com todos os moradores. Estamos aprendendo tudo com ele, e nossa vida mudou completamente desde que ele chegou. É maravilhoso”, diz Leomar Waiandt que, junto à sua esposa Jamille Rodrigues Severino decidiu acolher o pequeno M., de 5 anos de idade, em maio. 

Violência doméstica, sexual ou abandono

Violência doméstica, violência sexual, abandono ou negligência. Esses são os principais motivos que levam as crianças a ficarem impossibilitadas de retornarem à família e acabam tendo os abrigos como morada. Somente no ano de 2016, a quantidade de crianças e adolescentes de 0 a 19 anos que sofreram algum desses quatro tipos de violência somou 424 casos, de acordo com informações da Secretaria Municipal de Saúde (Semus).

“Em 2016 tivemos 81 casos notificados como negligência e abandono de 0 a 19 anos e em 2017, de janeiro a junho temos 42 casos. Negligência também é violência. Observamos tendência de aumento. Profissionais estão mais sensíveis em identificar os casos. Existe uma omissão em prover as necessidades e cuidados básicos para desenvolvimento físico e emocional de uma pessoa. Quando trago isso pra criança e adolescente, se privo de cuidados com saúde, higiene, não garanto presença na escola… Encontramos bastante quedas, queimaduras, intoxicações, evasão de hospital e PA…. Tudo isso é negligência. E abandono é a mais extrema das negligências”, explica Solange Drummond, referência técnica do Núcleo de Prevenção da Violência e Promoção da Saúde (Nuprevi) da Semus.

O gerente de Proteção Especial de Média e Alta Complexidade da Serra, Marlon Amorim afirma que existe números relativamente alto de crianças abandonadas ou negligenciadas em dois casos: logo no nascimento e a partir dos 13 anos. “São vários os motivos, como o dilaceramento familiar, situações de exploração sexual. Às vezes a própria família não dá conta do adolescentes por questão de drogadição.  Existem casos de famílias procurando juizado para entregar filho como que esse filho fosse quase um bem, não tendo estrutura financeira e emocional para cuidar”, explica o gerente.

Já em Vila Velha, único dos cinco municípios que não adota nem o apadrinhamento afetivo, nem o programa “Família Acolhedora”, na maioria dos casos são mães solteiras ou famílias desestruturadas que acabam abandonando ou negligenciando os filhos por questões de drogadição e violência doméstica. De acordo com a secretária Municipal de Assistência Social, Ana Cláudia Pereira Simões, são 50 crianças acolhidas nos quatro abrigos da cidade.

“Não adotamos apadrinhamento afetivo no município. Estamos em estudo da metodologia da família acolhedora, mas ainda não foi adotada. Estamos analisando acompanhamento ainda de casos de sucesso e casos que deram errado em outros municípios que usam essa metodologia para não incorrer nos mesmos erros. Ser mantenedor, apoiar financeiramente as crianças, teríamos a possibilidade de aceitar. Voluntariado para oferecer serviços, precisa passar por avaliação na Vara da Infância e receber autorização da juíza”, explicou.

NÚMEROS:

Vitória:Abandonadas/negligenciadas: 81 (2016) 42 (2017)
Acolhidas: 85 (31 F/ 54 M)
Abrigos (Centro de Vivência): 5
Familia acolhedora: 6 (4 F/ 5 M)
Informações sobre o programa “Família Acolhedora”: (27) 3019-8060 ou 99791-7199 ou pelo e-mail familiaacolhedora@fealegria.org.br

Serra:Abandonadas/negligenciadas: 85 (2017)
Acolhidas: 75
Abrigos (Centro de Vivência): 6
Informações sobre o “Apadrinhamento Afetivo”, “Prestador de Serviço” ou “Provedor de Criança ou Adolescente”:  (27)3291-2424 

Cariacica:Abandonadas/negligenciadas: 42 (2016) 45 (2017)
Acolhidas: 83
Abrigos (Centro de Vivência): 3
Familia acolhedora: 6 (4 F/ 5 M)
Informações sobre “Apadrinhamento Afetivo” ou “Família Acolhedora”: 3354-5562 ou 3354-5558

Vila Velha:Abandonadas/negligenciadas: 70 (2016) 50 (2017)
Acolhidas: 50
Abrigos (Centro de Vivência): 4
Voluntariado e mantenedor. Não tem apadrinhamento afetivo, nem família acolhedora.
Informações para ser provedor ou voluntário: (27) 3149-7200

Viana:Abandonadas/negligenciadas: 11 (2017)
Acolhidas: 11 (7 F / 4 M)
Abrigos (Centro de Vivência): 1
Informações sobre o “Apadrinhamento Afetivo”, “Prestador de Serviço” ou “Provedor de Criança ou Adolescente”:  (27) 3255 9129 ou (27) 3255 9141 ou email: ssocial-viana@tjes.jus.br


Reproduzido por: Lucas H.

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