quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Órfãos do crack: filhos de usuários vão parar em abrigos (Reprodução)

27/12/2017

O crack destrói pessoas e famílias inteiras, mas produz também crianças que vão parar em abrigos, sempre envoltas no drama de não saber se conseguirão voltar para seus pais, que podem vir a se tratar e garantir a afetividade e o sustento, ou se serão encaminhados para a adoção. “Alguns anos atrás, era pobreza mesmo que gerava o acolhimento. Mas agora são mais crianças vindas de pais viciados em álcool ou em alguma outra droga”, diz Cleonice Angeli, a Cleo, assistente social e técnica de referência de um abrigo na Serra.

A juíza Gladys Pinheiro, da 1ª Vara da Infância e Juventude da Serra, confirma o histórico familiar das crianças abrigadas. “A maioria dos casos são de usuários de drogas, é o perfil maior. Temos casos de negligência, abandono, maus-tratos. É o dia a dia”, lamenta a magistrada.

O fato de a mãe ou pai serem usuários não significa que as crianças nunca mais poderão voltar para casa. A primeira ação é o Estado intervir para garantir a recuperação de saúde e social dessa família, ou pelo menos deveria. “Nós tentamos incluir em programas. É feita uma avaliação. Para constatar onde temos que trabalhar com a família, educação, saúde, tratamento”, explica a juíza.

“Antes do processo de destituição familiar (passo que antecede a liberação para adoção), tem que ser feitas todas essas tentativas. E quando a família aceita esse atendimento, normalmente existe a reintegração”, explica Gladys Pinheiro.

A assistente social Marcela Costa reforça a necessidade de analisar caso a caso: “O que a gente se questiona é se essa mãe, por ser dependente química, se realmente a impede de ser mãe. E, se você tira a criança, pode ser que a pessoa se afunde no poço lá no fundo. Porque perde a vontade de viver e qualquer chance de melhorar. Por outro lado, se a gente deixa com ela, será que vai buscar tratamento mesmo?”.

Outra consequência do vício é a entrega voluntária pela da criança ao juizado, segundo Gladys Pinheiro. “O hospital entra em contato com o juizado, que chama essa mãe para ouvir pela equipe técnica do juizado. Nesse caso é muito mais fácil. Nesse caso, a lei determina no máximo 90 dias para o juiz procurar familiares, fazer um estudo social, se não é chamada a família substituta, a próxima pessoa da fila.”

A assistente social Odete Loureiro destaca também a situação de abandono a que estão submetidas as mães dessas crianças. “Elas não têm apoio nem da família, nem da sociedade. Ela se vê obrigada a entregar essa criança. Ainda tem a questão de depois que ela entrega, há um luto não autorizado. Ela sofre por entregar. E é como se não tivesse direito de não sofrer por esse luto.”

ABUSO

Outra realidade triste das crianças abrigadas é um passado de abusos e violência sexual. “Abusos sexuais são muito recorrentes. Pelo próprio pai, por pessoas próximas”, relata Marcela. “No caso do abuso constatado, a gente procura colocar com família extensa”, detalha Gladys Pinheiro. E se não conseguirem ninguém da família que possa ficar com a criança, ela vai para adoção.

"MEU FILHO DEU A VOLTA POR CIMA"

Até completar pouco mais de um ano de idade, Alex vivia internado por causa dos problemas de saúde. “Em um ano e um mês no orfanato, 70% desse tempo ele passou no hospital. Depois disso meu filho nunca mais foi para hospital em internação. Sempre bem cuidado”, conta a mãe, Regina Márcia Galen, empresária.

Ele sofria com problemas respiratórios, mas teve que passar também por um processo de desintoxicação quando ainda era bebê. A mãe biológica dele era dependente química. “Os médicos diziam que meu filho ia morrer no orfanato, até eu pegá-lo. Tenho fotos dele entubado. E meu filho deu a volta por cima.”

Quando decidiu que seria mãe, Regina estava só, como diz. Já havia tentado engravidar, no primeiro casamento. Tinha feito inclusive quatro tentativas de fertilização in vitro. No casamento, ela ajudou a criar os cinco filhos do então marido. Mas queria um filho para chamar de seu.

SEM RESTRIÇÃO

No seu cadastro de adoção, a empresária disse que poderia vir uma menina ou menino e que não teria restrições se a criança tivesse um problema de saúde reversível. “Pedi também que fosse de preferência da cor parda, a minha cor.”

“Um casal recusou o Alex, não sei o motivo. Então Deus me escolheu para ser a mãe dele”, diz Regina. Hoje ela não é mais solteira. Aloísio Moraes, 31, divide com ela o amor pelo menino. “Hoje tenho um marido maravilhoso, que é o pai que o meu filho tem. Sou muito feliz com a família que eu tenho.”

CARINHO

Com o tempo, ela descobriu que Alex é autista. “Não é doença, ele é especial. Ele entende muito, é muito inteligente, esperto, carinhoso. Ele gosta que a gente fique perto dele”, conta a empresária.
As críticas na época em que decidiu adotar não foram poucas. Disseram que ela estava “arrumando sarna para se coçar” e que “não conseguiria mais viajar”. “Viagem eu faço uma vez por ano, filho é a vida toda.”

“Eu estou muito feliz por ter Alex, é o meu filho. Deus me deu um menino que tem as minhas características. Ele lembra muito o meu irmão mais velho. Alex é meu filho de alma.”

MUDANÇAS NA LEI PODEM ACELERAR ADOÇÕES

Se foi mais para o bem do que para o mal, só o tempo vai dizer, mas as mudanças nas regras de adoção implantadas no último mês de novembro devem trazer mais rapidez aos processos que liberam as crianças para serem adotadas.

Entre os destaque está o estabelecimento de prazo para a busca da família extensa, parentes fora do núcleo formado por mais e filhos, como avós e tios. “A lei continua impondo a busca pela família extensa. Não havia um limite de tempo para busca. E isso consumia muito tempo. A lei nova cria um limite de 90 dias”, explica o advogado de família José Eduardo Coelho. Esse prazo é prorrogável por mais 90 dias.

O advogado reconhece que mudar isso na lei não basta. “Em tese, em 180 dias você vai ter essa etapa concluída. Mas não adianta. Se você não dotar os serviços de apoio aos juizados de condições efetivas de trabalho, inclusive com relação a quantitativo e equipamentos, você pode fazer a lei que você quiser que não vai dar certo”, ressalva José Eduardo Coelho.

“De maneira geral, é bom. Mas a gente fica um pouco com medo porque adoção é muito caso a caso. Tem caso que é impossível você prever em lei todas as situações. Quando você engessa demais, você acaba prejudicando. Mas entendo que a intenção é boa”, acrescenta o psicólogo Helerson Elias Silva, da Comissão Judiciária de Adoção (Ceja).

Outra mudança importante apontada pelos profissionais é a crianção de prazo de 90 dias, prorrogáveis por mais 90, para o estágio de convivência, que é o período que antecede a adoção de fato e serve para que tanto a criança quanto o adotante vejam se a relação familiar realmente dará certo. Antes não havia prazo e existiam casos de crianças que ficavam anos com a família até finalmente ter a adoção liberada.

“Engessou um pouquinho. Mas tem o caso a caso também. Vamos ter que avaliar. Mas num aspecto geral vejo como positivo para evitar aquelas situações em que o processo corre, e a família resolve devolver. É terrível para a criança. Mas se ela já tiver sido adotada, isso caracteriza destituição familiar. Você vai entrar como réu nesse processo. Nesse ponto é positivo. Nossa questão é só e se a família precisasse de um tempo maior?”, questiona Helerson.

O que mudou

Acolhimento
Mudou o prazo para a criança em situação de vulnerabilidade ficar acolhida (em abrigo) e ser liberada para entrar no cadastro de adoção.
Antes - 24 meses
Agora - 18 meses

Família externa
É a que se estende para além da unidade familiar (formada por pais e filhos): tios e avós, por exemplo. Criou-se um prazo para a busca da família extensa
Antes - Não havia
Agora - 90 dias

Estágio de convivência
É o período de convivência entre criança e futuros pais adotivos que precede a adoção de fato
Antes - Não havia um prazo
Hoje - 90 dias prorrogáveis por mais 90

Adoção internacional
Ganhou prazo máximo para estágio de convivência no Brasil antes de ir para o país dos pais adotivos
Antes - Só havia prazo mínimo de 30 dias
Agora - Há prazo máximo de 45 dias

Mudanças
Licença- maternidade
Estende-se para quem adotar adolescente também.

Entregar o filho a terceiros 
Foi tornado ilegal. Na prática, isso é para evitar a venda de crianças

Original disponível em: https://www.gazetaonline.com.br/noticias/cidades/2017/12/rfaos-do-crack-filhos-de-usuarios-vao-parar-em-abrigos-1014112656.html

Reproduzido por: Lucas H.

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